Piores empresas para trabalhar: quando o home office é o pesadelo
Aumento da carga de trabalho, cobranças descabidas, gritos, ameaças e deboche. O que fazer quando o gerente fica louco?
São Paulo – “O que te custa?” As demandas e cobranças extras de trabalho para Raquel* sempre terminavam com essa pergunta. Com o decreto da pandemia do novo coronavírus, sua carga horária, agora em home office, dobrou e os abusos começaram, segundo relatou a profissional em uma entrevista para VOCÊ S/A sob condição de anonimato.
De acordo com Raquel, aumento arbitrário do escopo das atividades, cobranças descabidas e trabalho aos fins de semana se transformaram no “novo normal” na empresa da área de comunicação e com sede do Rio de Janeiro na qual ela trabalhava.
A gota d’água para o pedido de demissão caiu em uma teleconferência com todos os funcionários. Ao questionar a decisão de aumentar suas atribuições diárias de novo, Raquel ouviu gritos do chefe em resposta. “O sócio aumentou a voz e debochou, dizendo que eu deveria me sentir privilegiada porque poderiam estar cortando salários. Mas, a empresa não teve nenhuma redução de receita por conta da pandemia”.
Em setores mais ou menos abalados pela crise do coronavírus, não é difícil encontrar gestores perdidos e funcionários sobrecarregados, dois dos sintomas mais frequentes de relações de trabalho adoecidas. Leia aqui mais relatos colhidos pela reportagem de VOCÊ S/A:
Cultura de comando e controle
A falta de cultura de home office é um notório complicador para chefes que não querem abrir mão do estilo de comando e controle. “Para quem não tinha essa política, o home office cria insegurança no ambiente, a cobrança pode ser inapropriada, vir de todos os lados”, diz Mônica Ramos, diretora de operações na Consultoria LHH.
Segundo a legislação trabalhista, profissionais em home office não estão sujeitos a controle de jornada. “O entendimento é o de que é complexo controlar a jornada embora isso seja relativizado na Justiça”, diz a advogada Adriana Piton, sócia do escritório Granadeiro Guimarães.
O tempo dedicado ao trabalho em home office é dimensionável, diz a advogada, por meio de sistemas de login ou por meio do volume das entregas. “Não dá para dizer que é isento de controle”, diz Adriana.
Em algumas empresas, as reuniões diárias são utilizadas como mecanismo de controle de jornada, de acordo com Mônica, da LHH. Não por acaso, a exaustão por conta do excesso de teleconferências é epidêmica na pandemia de coronavírus e ganhou até uma alcunha internacional: Zoom fatigue (fadiga do Zoom, aplicativo de reuniões virtuais).
Além de exaustos, muitos brasileiros estão ansiosos, estressados e deprimidos. Pesquisa feita pelo Instituto de Psicologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) com 1 460 pessoas em 23 estados e todas as regiões do país revela que enquanto a incidência de depressão dobrou, as ocorrências de estresse e ansiedade cresceram 80%, na quarentena.
A falta de inteligência emocional na liderança é outro aspecto que pode afetar as equipes nesse momento é a falta de inteligência emocional na liderança. Sem isso, atitudes bélicas como a que o chefe de Raquel adotou durante a reunião com o time se tornam comuns. “Líderes com inteligência emocional agem com maior tranquilidade sob pressão, conseguem ver o lado bom da situação. Se o profissional não têm essa competência, as dificuldades são maiores, ele acaba explodindo, desconta na equipe, pratica assédio moral”, diz Mônica.
O que é assédio moral
Conduta abusiva, o assédio moral é caracterizado pela recorrência do tratamento inadequado a um funcionário – ou seja, é preciso que o comportamento ofensivo seja repetido algumas vezes e que atinja a dignidade tanto física quanto psíquica da vítima. Na Justiça, é possível pleitear indenização por danos morais e físicos, se houver, além da rescisão indireta do contrato de trabalho, em que recebe todas as verbas de uma demissão sem justa causa
“Uma atitude isolada não é considerada assédio”, diz a advogada Adriana. Mas ofensa única grave, que cause dano moral, no entanto, também é passível de indenização na Justiça. “Vai depender da intensidade do sofrimento causado”, diz Adriana.
Embora se considere vítima de assédio moral, Raquel consultou um advogado e decidiu que não vai à Justiça pela dificuldade de comprovar os abusos sem ajuda de testemunhas. “Meus colegas não iriam querer testemunhar, têm medo de perder o emprego. Eu me senti mais impotente ainda, mas o melhor que posso fazer é me desligar empresa”, diz ela, que também teme represálias no mercado de trabalho.
Líderes, cuidado com o tom
Por ser um momento de crise, é comum que os gestores tenham que conduzir conversas difíceis com os funcionários e tomar decisões duras. Mas elas exigem preparo prévio e nunca devem ser feitas em momentos de abalo emocional, indica a diretora da LHH. “Tomada pela emoção, a fala pode ter um tom agressivo, ou trazer palavras que representem ameaça”, diz Mônica.
Isso é ainda mais importante porque só aqueles que mantém a calma conseguem fazer o exercício da escuta com empatia. Colocar-se no lugar do outro nas crises é a melhor estratégia para preservar os resultados, inspirar a liderança e fortalecer o engajamento, conforme explicamos na matéria de capa da edição de abril/maio da VOCÊ RH.
Funcionários que se sintam sobrecarregados e sem condições para cumprir metas devem chamar seus gestores para conversas individuais para repactuação de prazos.
Um colega de trabalho de confiança pode validar a percepção, antes da reunião com o chefe “É interessante compartilhar com um outro membro da equipe para ter uma segunda opinião, porque às vezes o profissional também está com sentimentos aflorados e pode estar enxergando as coisas com tons mais intensos”, diz Mônica.
Piores empresas para trabalhar: quando o emprego é um pesadelo
Gritos pelos corredores, choro no banheiro, ataque de pânico… Essa não é a descrição de um filme de terror, e sim a realidade de várias companhias, conforme matéria de capa da revista VOCÊ S/A, de fevereiro de 2020:. Confira o teaser da reportagem: