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Quais são os segredos de um bom planejamento de projeto?

Em novo livro, Armando Oliveira mostra que por trás de aventuras de sucesso, como as viagens do navegador Amyr Klink, pode estar uma boa gestão de projetos

Por Bárbara Nór
Atualizado em 17 out 2024, 11h05 - Publicado em 5 ago 2020, 07h00
Amyr Klink e Armando Oliveira: conversas longas sobre planejamento (Marcos Vilas Boas/VOCÊ S/A)
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Matéria originalmente publicada na Revista VOCÊ S/A, edição 265, em 19 de junho de 2020. 

Ao longo de 30 anos trabalhando como consultor e professor na área de gestão de projetos, Armando Oliveira encontrou uma maneira diferente de tratar o tema ao ler os relatos de viagem de Amyr Klink, navegador brasileiro célebre por aventuras como atravessar o sul do Oceano Atlântico sozinho num barco a remo nos anos 1980. Armando percebeu naquelas histórias a ilustração viva da gestão de projetos e começou a usar os exemplos em suas aulas — o que fez muito sucesso. Encorajado pelos alunos, Armando sentiu que aquilo precisavavirar um livro e procurou a aprovação de Amyr Klink. O que era para ser uma reunião de 10 minutos se transformou em diversos encontros, e o resultado foi Capotar É Preciso (publicado em abril pela Portfolio Penguin). Em entrevista para VOCÊ S/A, Armando e Amyr dividem suas trocas.Quais são os segredos de um bom planejamento de projeto?

Quais são os segredos de um bom planejamento de projeto?


Antes do livro vocês não se conheciam. Como foram os encontros?

Armando: Eu tinha medo de que o Amyr descartasse tudo que eu dissesse, mas nossas conversas me fizeram corroborar a relevância das técnicas. O Amyr registrava tudo em um documento — o “dossiê amarelo” que fez na primeira travessia, por exemplo. Ali constavam informações e detalhes técnicos e havia uma seção com relatos de tentativas anteriores fracassadas. Isso me chamou a atenção, porque normalmente num documento inicial você está tentando buscar a aprovação, não vai colocar uma lista de fracassos. Mas isso trouxe uma credibilidade enorme para o projeto dele: não era para desencorajar, mas para mostrar que ele tinha estudado e sabia por que os projetos anteriores tinham falhado. Isso é uma lição que a gente pode adaptar para projetos.

Amyr: Quando o Armando me procurou, fiquei desconfiado, porque não gosto desse tipo de analogia, de usar os exemplos de sucesso na área esportiva para o mundo corporativo. Sou economista, trabalhei como administrador e detestei. Eu me formei em uma baita universidade, onde ninguém me ensinou a tocar um projeto. A primeira experiência foi de fato a travessia do barquinho a remo; aprendi na prática. Comecei de brincadeira, mas pensei que, se não tivesse um projeto, eu ia morrer no mar ou na praia. Confesso que aprendi muito com o Armando, comecei a reler meus livros e pensei: “Nossa, como consegui fazer essa encrenca toda?”. Os desafios não eram os que eu imaginava: distância, coragem, esforço físico. Eram os pequenos erros, desafios de navegação, de posicionamento, de obtenção de água, preparo físico, alimentação.

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Amyr Khan Klink, acenando apos atravessar o Oceano Atlantico, da Africa ao Brasil, em um barco a remo, o I.A.T. (Reprodução/Reprodução)

Por que o título Capotar É Preciso?

Armando: Um dos pontos cruciais no sucesso do projeto do Amyr foi ele ter descoberto que precisava fazer um barco que capotasse. É uma coisa maluca projetar um barco sabendo que ele vai ficar de cabeça para baixo. Mas foi tudo muito preciso e minucioso, tinha de atender a vários requisitos complexos. E não bastava só cumprir a jornada. O Amyr conta que queria que aqueles três meses de navegação fossem felizes. Então isso tinha de se refletir também no projeto.

Amyr: O Armando traduziu o espírito da coisa, que é abraçar o problema. Existe problema que não dá para evitar; é melhor conviver com ele, dormir com ele. Foi um professor da USP que me deu uma lição de moral [na época do projeto do barco]. Ele falou: “Você vai morrer com esse projeto”. Eu disse: “Todo mundo fala isso, eu sei”. E ele respondeu: “Não, você vai morrer porque seu projeto está errado”. Eu estava fazendo um barco “incapotável”. Tinha muito medo, porque todos os navegadores pereceram porque o barquinho capotava. E esse professor me disse que eu tinha de mudar o projeto, fazer um barco feito para capotar. Dei risada, mas ele estava certo. Hoje, me preocupo muito com o aspecto conceitual filosófico, porque percebi que a tecnologia não faz avançar a humanidade, pelo contrário. O avanço e a inovação são chegar à essência do que você precisa. Aprendi com os anos a fazer projetos sofisticados usando soluções muito simples.

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(Arte/VOCÊ S/A)
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Armando, no livro você descreve várias metodologias de gestão de projetos. Como iniciamos o desenvolvimento de um projeto? Por qual ferramenta devemos começar?

Armando: Menos é mais. Se você começa de forma mais ampla e abrangente, é melhor. O Canvas, por exemplo, é uma ferramenta simples, mas que reduz um monte de problemas. Você vai montando seu projeto, e aquilo vai abrindo seus olhos para as diversas amarrações que existem entre os vários elementos de gestão. Quando coloca de forma visual e tem o time olhando aquilo, você começa a ver amarrações que não percebia entre as equipes, as partes interessadas, as premissas, os riscos, quem vai fazer o quê e quem vai entregar para quem. Muitas vezes a riqueza está na simplicidade, em ter ferramentas simples que as pessoas possam utilizar para qualquer tipo de projeto. A gente tem indústrias enormes usando esse Canvas e pessoas que tocam projetos pessoais com ele também.

Quando planejamos algo em tantos detalhes, como saber a hora de entrar em ação?

Amyr: Quando eu estava fazendo meu primeiro veleiro, tinha um colega cineasta que estava preparando um barco para a viagem dos sonhos dele. Ele era apaixonado por mecânica e engenharia e foi um grande professor para mim. Mostrava terminais, pecinhas com cantos arredondados que ele fabricava, e eu pensava: “Nossa, queria ter o conhecimento e o perfeccionismo dele”. Trabalhamos lado a lado durante dois anos e de repente me assustei. Percebi que sua busca por perfeccionismo era tão intensa que ele nunca iria para o mar. Ele nunca tocou o barco na água. Essa história do planejar é muito importante, mas chega uma hora que você tem de executar.

Armando: Projeto tem riscos. Se não quer entrar em riscos, não faça projeto. Se o empreendedor só pensasse nos riscos, não empreenderia. O Amyr não teria entrado num barco. O planejamento precisa responder: “É necessário? É viável? É possível? E, se não for viável, o que precisa ser feito para que seja?”. É preciso encontrar esse ponto de equilíbrio. Até brinquei esses dias que algumas pessoas desistem do planejamento porque estão apaixonadas pelo projeto e têm receio de que o planejamento mostre as verdades e desencoraje. Aí você fica cego e vai tomando decisões por impulso, e isso pode ser muito prejudicial.

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(Arte/VOCÊ S/A)

Quais erros cometemos ao fazer gestão de projetos?

Armando: Gestão de projetos não pode ser só atingir prazos, sem pensar em aspectos como impacto na qualidade, riscos no adiamento ou no atraso de entregas, sem se envolver com a comunicação das equipes, com custos, com gestão de mudanças. Temos essa ideia de que qualquer mudança pode ser nociva, mas não. Pode ser ótima, pode ser inovação, mas muitas vezes alterações são descartadas porque a ideia é cumprir prazo. Outro grande erro é entender planejamento como perda de tempo. A gente busca rapidez, mas precisa ponderar quanto essa agilidade vai trazer ações impensadas e impulsivas em vez de decisões que passaram por conhecimento, planejamento, maior clareza do projeto. Outro erro é desvincular o planejamento do projeto e o planejamento do produto. Muitas vezes, a gente fica muito atento aos cumprimentos dos objetivos do projeto e esquece que o projeto vai dar origem a um produto. Eu não quero na minha lápide “aqui jaz o gerente que entregou no dia o planejamento, mas não entregou o produto”.

Amyr: Lembrei de um projeto que foi vítima de uma insanidade de problemas, planos econômicos, dificuldades técnicas, burocráticas. Esse projeto demorou oito anos para sair do papel. Desses oito anos, seis foram de penúria financeira, mas também foram os mais criativos; todas as ideias revolucionárias vieram ali. Nos outros dois anos a gente conseguiu apoio financeiro de empresas e foi quando cometemos todos os erros de projeto, burradas astronômicas, desperdícios. Apareciam soluções interessantes e a gente não se perguntava quais eram os benefícios, quais eram as implicações. Com o tempo, fui percebendo que essa experiência de opor a escassez com as necessidades e os objetivos é rica, porque antecipa nossa capacidade criativa.

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O navegador Amyr Klink em 1984: barco a remo capotável para atravessar o Atlântico Sul (Reprodução/Reprodução)
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Das histórias que vocês compartilharam, qual escolheriam para justificar a importância da gestão de projetos?

Armando: Começo minhas aulas com uma provocação baseada nesse projeto [da travessia a remo] do Amyr. Eu lanço as perguntas: “Você viajaria em um barco de menos de 6 metros de comprimento cujo projeto foi questionado por engenheiros navais? Você faria essa viagem sozinho, sem celular, sem motor, só a remo? Faria a viagem sabendo que outros tentaram e morreram?”. Aí eu provoco qual seria o melhor adjetivo para descrever a pessoa que fizesse isso. Dizem “maluco”, “inconsequente”, “irresponsável”. Mas ninguém nunca fala “um excelente gestor de projetos”. Aí eu revelo que a história é real e ocorreu nos anos 1980, quando a gente não tinha tecnologia, internet, essas coisas que facilitam o acesso à informação. Quando falo que o protagonista foi um economista brasileiro que conseguiu não só fazer a viagem mas aproveitar a experiência, eles ficam incrédulos e curiosos. Aí mostro que o que trouxe o Amyr de volta não foi sorte, mas um planejamento minucioso.

 

Amyr: A literatura me ensinou demais. Muitos relatos importantes foram feitos, e O Último Lugar da Terra [de Roland Huntford, pela Companhia das Letras, fora de catálogo] me deixou bastante impressionado. Esse livro relata a corrida para o Polo Sul entre ingleses e noruegueses. A Noruega ainda era pobre, um país de pescadores, tidos como caipiras. E o império britânico era aquele que comandava o mar. Mas foi por causa dessa postura imponente e arrogante que o império britânico perdeu a corrida. E foi por uma questão de projeto, olhando hoje.  Eu mesmo demorei um tempo para perceber a importância de ouvir mais do que falar, de cortar o entusiasmo apaixonado e abraçar outro entusiasmo, mais frio, e ter uma espécie de humildade em relação ao saber alheio.


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