Entenda a importância da segurança psicológica no trabalho
Ouvir os colaboradores, reconhecer esforços e promover a boa convivência contribuem para o almejado ambiente profissional seguro
O cinema costuma caprichar quando decide retratar em filme o quanto o ambiente de trabalho pode ser insalubre. Um exemplo clássico é o filme “Tempos Modernos” (de 1936), do genial Charles Chaplin. Operário em uma fábrica, ele precisa apertar parafusos em uma linha de produção – com um capataz berrando em seu ouvido para ir mais rápido. No mesmo filme, em outra situação, ele faz uma pausa para fumar no banheiro – e de repente um painel imenso se acende na parede: é uma tela ligada diretamente à sala do diretor da fábrica, que o manda voltar ao trabalho. O resultado, claro, é uma crise de nervos: ele sai correndo com as ferramentas querendo apertar tudo.
Todas as situações são hilárias – mas só até começarmos a pensar no que se passa no filme. Chefes gritando com funcionários; assédio moral; pausas vigiadas e criticadas, mesmo para refeições (a certa altura, o diretor da fábrica decide testar uma máquina que alimenta o operário sem que esse precise parar o que está fazendo); atividade repetitivas e entediantes. Ponto a ponto, parece (e é, de fato), a exata antítese do que se esperaria de um ambiente de trabalho saudável.
E o trabalho precisa proporcionar um ambiente saudável: a própria produtividade do trabalho é afetada se colaboradores sofrem com estresse, condições inadequadas para trabalhar, tarefas mecânicas e entediantes, hostilidades, falta de reconhecimento e tantas outras mazelas que em muitos casos persistem em não desaparecer.
O trabalho presencial já há algum tempo vem ganhando o status que tinha antes da pandemia – que, embora não tenha terminado oficialmente, não é mais o flagelo que foi entre 2020 e 2021. A volta aos escritórios, no entanto, acontece com pessoas que se acostumaram ao trabalho remoto e, de uma certa forma, desaprenderam a conviver todas num mesmo espaço. Muitas viveram o burnout (um esgotamento extremo, causado por excesso de demandas) e, mais recentemente, o “boreout” (um estado de tédio acentuado, causado por tarefas que parecem não levar a lugar algum).
Mas há outras situações que já eram comuns antes das transformações trazidas ao trabalho pela pandemia. Falta de reconhecimento da chefia, salários baixos, falta de respeito, a lista seria longa.
O que se pode dizer de positivo nesse contexto é: a questão da saúde mental está hoje na ordem do dia. E o debate sobre bem-estar no ambiente organizacional ganha cada vez mais proeminência – e cada vez mais espaço na alta gestão, que assim pode pensar os rumos da cultura organizacional.
Trabalhar não é mais o que foi em “Tempos Modernos”. Numa era de acelerada inovação tecnológica e marcada pela pior crise sanitária em muito tempo, a atividade produtiva tem a ver com colaboração, diversidade, abertura para visões discordantes, tolerância a erros, estímulo a iniciativas, reconhecer o valor de cada um numa equipe. O Projeto Aristóteles, uma pesquisa realizada pelo Google, verificou que, de fato, a qualidade da interação entre as pessoas num ambiente profissional tem reflexo direto no desempenho de cada uma e da equipe como um todo.
Viveremos uma fase de adaptação, tanto por conta das ferramentas digitais que continuarão a transformar o modo como trabalhamos (e como vivemos, de forma geral) como pelo reaprendizado a viver em ambientes coletivos, prejudicado que foi pelos dois anos de confinamento mais severo imposto pela pandemia.
Mas o ponto de partida mais eficiente para tal reaprendizado será respeitar e promover a segurança psicológica – e mais bem-sucedidas serão as empresas que incorporarem esse princípio à sua cultura.