Tudo o que você precisa saber sobre o brain rot – e como revertê-lo
Estar hiperconectado não vai fazer milagres pela sua vida profissional – muito pelo contrário. Pesquisas mostram que o comportamento leva à confusão mental, redução da atenção e até ao declínio cognitivo. Salve-se quem puder (e quem ler a matéria até o final, sem se distrair no celular).

ano era 1845, e a Europa passava por maus bocados. Cortesia de um microrganismo salafrário que contaminou as plantações de batatas da região, causando uma crise alimentar que entrou para a história como The Hungry Forties (“os esfomeados anos 40”, na tradução do inglês). Inglaterra, Irlanda e Escócia foram os países mais afetados.
A calamidade pouco preocupava Henry Thoreau – o poeta e filósofo americano tinha outras questões em mente. Como ermitão de carteirinha, ele havia se isolado em uma cabana na floresta (em Massachusetts, bem longe da desgraça, diga-se), local em que escreveu seu livro Walden, ou A Vida nos Bosques. Na obra, Thoreau defendia que, em vez da preocupação com o potato rot (batatas podres), havia um mal muito mais presente e fatal na sociedade: brain rot. O cérebro podre.
O termo servia para designar o que acontece com nossa mente (e nosso espírito) quando suprimimos nossos instintos curiosos. Quando, em vez disso, nos dedicamos em excesso a atividades consideradas triviais ou pouco desafiadoras. O único jeito de combater esse apodrecimento, segundo Thoreau, era, bom… ir para o meio do mato.
“Fui para a floresta porque desejava viver deliberadamente, para enfrentar apenas os fatos essenciais da vida, e ver se eu não conseguiria aprender o que ela tinha a ensinar, e não, quando eu viesse a morrer, descobrir que não tinha vivido”, escreve.
Acelera o declínio cognitivo
O poeta não viveu para conhecer o advento da internet. Sua imaginação talvez fosse incapaz de conceber esta pequena caixinha eletrônica que está ao seu lado (talvez na sua mão, onde você lê esta reportagem). Muito menos o Instagram, TikTok, Facebook e seus congêneres sociais – os maiores responsáveis pelo tempo de tela mundial de 6 horas e 58 minutos por dia, cerca de 40% do total desperto. No Brasil, esse número sobe para 9 horas e 32 minutos (ou 60% do dia).
Não à toa, 170 anos depois de ter sido escrito, o termo de Thoreau retornou ao zeitgeist cultural, e foi eleito Palavra do Ano pela Universidade de Oxford em 2024. Segundo a instituição, as pesquisas pelo brain rot subiram 230% de um ano para o outro – sintomático do consumo de conteúdos com qualidade cada vez pior na internet, especialmente nas redes sociais.
“O brain rot descreve uma suposta deterioração do estado mental ou intelectual do indivíduo, especialmente como resultado de um consumo exacerbado (hoje, particularmente, conteúdo online) considerado trivial ou pouco desafiador”, afirma o artigo.
O termo nasceu em 1845, e servia para designar o que acontece com nossa mente (e nosso espírito) quando suprimimos nossos instintos curiosos.
Segundo o Instituto de Newport, primeira organização científica a reacender o debate sobre o fenômeno, adotar um tempo de tela mastodôntico todos os dias leva justamente a isso: confusão mental, letargia, redução da capacidade de atenção e, no longo prazo, o chamado declínio cognitivo.
Vamos por partes. O declínio cognitivo é um processo natural do ser humano – acontece conforme a idade avança. Existem casos mais graves (como aqueles que levam ao Alzheimer ou à demência, por exemplo), que envolvem uma série de questões de saúde subjacentes. Esses raramente são reversíveis.
O brain rot é outra história. Ele é induzido pelo seu estilo de vida. Essa é uma notícia boa: sinal de que, ao contrário da primeira batelada da doenças citadas, é possível revertê-lo com mudanças em seus hábitos diários (veremos mais sobre isso em instantes).
Os pesquisadores do instituto listam algumas consequências de se manter vítima dessa prática: dificuldade de organizar informações, resolver problemas, tomar decisões e lapsos de memória. Além das consequências imediatas, de curto prazo, a atitude também pode agravar quadros de depressão e ansiedade. Junção aterradora que pode afetar – e muito – a sua carreira. Nosso próximo tópico.
Distração crônica
(Felizmente), não estamos em um episódio de Ruptura. A série da Apple, que ganhou nova temporada em janeiro deste ano, conta a história de funcionários de uma empresa de biotecnologia que passam por um procedimento que separa suas memórias profissionais e pessoais. Quando estão em casa, não lembram nada do que se passou no trabalho, e vice-versa.
Se nem os personagens da série conseguem desvencilhar totalmente suas consciências (dinâmica essa que rende uma enxurrada de perrengues obscuros, inclusive), imagine nós, meros mortais. Nossos hábitos afetam – e muito – nosso trabalho. Para o bem ou para o mal.
O declínio cognitivo é um processo natural do ser humano – acontece conforme a idade avança. O brain rot é outra história: ele é induzido pelo seu estilo de vida.
Se você passa a maior parte de seu tempo livre nas redes sociais, pulando incessantemente de um aplicativo para outro, chega a ser impossível que você consiga controlar esse ímpeto depois de bater o ponto. Uma pesquisa de 2022, feita pela empresa americana de pesquisa GWI, estimou que funcionários gastam mais de duas horas e meia nesses espaços durante o trabalho. Outra pesquisa estimou que trabalhadores dão uma olhadinha no celular 30 a 40 vezes por hora. Prato cheio para que se instaure um estado perpétuo de distração.
Acontece que consumir informações nas redes sociais é o equivalente a beber água de um hidrante. Bombardeados por uma quantidade pouco ortodoxa de conteúdos, nosso cérebro mal tem tempo de assimilar aquilo que está vendo. Faça o exercício: tente se lembrar do último vídeo que viu em qualquer uma das plataformas mais conhecidas. Provavelmente não consegue.
Isso porque nossa memória de curto prazo (MCP, que serve para armazenar informações temporariamente) fica sobrecarregada, o que nos traz aquela sensação de exaustão e névoa mental. A de longo prazo (MLP, que armazena de forma mais duradoura aquilo que vemos) mal entra para a jogada. Isso inevitavelmente vai afetar sua produtividade ao longo do expediente – e fora dele também, claro.
Há também o clássico problema das redes: comparar o palco dos outros com os seus bastidores. Incontáveis estudos encontraram uma ligação entre o uso excessivo de mídias sociais e um risco aumentado de depressão, ansiedade e solidão.
“Quando passamos tempo demais na internet, parece que sintonizamos na rádio 666”, brinca Pedro Shiozawa, professor do Departamento de Psiquiatria da Faculdade Santa Casa de São Paulo e cientista-chefe na Great People Mental Health.
Trabalhadores dão uma olhadinha no celular 30 a 40 vezes por hora durante o expediente.
“A dificuldade de foco cria frustração e insegurança no trabalho, enquanto a comparação constante com padrões irreais de sucesso exibidos nas redes sociais amplifica a sensação de insuficiência”, adiciona Fabiana Abath, psicoterapeuta especializada em orientação de carreira.
O uso desmedido também pode representar uma fuga da realidade – sintoma de que algo não vai bem (no trabalho ou na vida). “Se você sente necessidade de estar ali o tempo todo – especialmente durante o expediente – é porque tem algo naquele ambiente que não está de acordo com suas expectativas e necessidades”, diz Fabiana. Como mostramos nesta matéria de capa da Você S/A do ano passado, ignorar sentimentos é um prato cheio para o desastre.
O mito do multitasking
Talvez não seja o seu caso. Você pode usar suas redes sociais apenas em momentos de pausa: e, no meio tempo, pula do WhatsApp para o email, do email para a planilha, da planilha para uma reunião, da reunião para uma pausa no X, o falecido Twitter.
Você também pode argumentar que estar hiperconectado no expediente e, consequentemente, realizar múltiplas tarefas ao mesmo tempo é uma virtude profissional. Está no pacote das famigeradas soft skills, tão valorizadas pelos escritórios mundo afora. Pois bem: achou errado.
No célebre livro do filósofo sul-coreano Byung-Chul Han, intitulado Sociedade do Cansaço, o pensador argumenta que o multitasking não representa nenhum progresso civilizatório. Pelo contrário: na natureza, animais são obrigados a dividir a sua atenção em múltiplas coisas ao mesmo tempo – justamente para garantir sua sobrevivência. Foi na capacidade de termos a atenção profunda, concentrada em apenas uma tarefa, que nos diferenciamos deles. E que nos aproximamos deles agora.
Han também argumenta que não há mais espaço para o tédio, e que esse sentimento é essencial para o processo criativo e para a sociedade.“Se o sono perfaz o ponto alto do descanso físico, o tédio profundo constitui o ponto alto do descanso espiritual. Pura inquietação não gera nada de novo. Reproduz e acelera o já existente”, escreve.
A internet age nessas duas frentes: não nos deixa aprofundar nosso foco e não nos permite nem um segundo de tédio. O resultado disso é que a tolerância para tarefas que demandam mais esforço cognitivo – justamente aquelas que nos são exigidas das 9h às 18h – cai significativamente. É como se o uso excessivo do celular, computador, tablet e afins mudasse a forma como nosso cérebro funciona. Para pior.
Somado a isso, a métrica de esforço e dedicação que utilizamos para projetos, via de regra, é o tempo que dedicamos a eles. É possível dizer que você produzirá da mesma forma em seis parcelas interrompidas de 10 minutos, em que você teve que responder mensagens (não urgentes) de colegas e resolver outros problemas do cotidiano, do que em uma parcela de ininterruptos 60 minutos? Dificilmente.
“É como se estivéssemos nos destreinando para o foco, pensamento crítico, reflexão, introspecção, contemplação. Assim, fica cada vez mais difícil atender às demandas profissionais”, argumenta Pedro.
A boa notícia é que, assim como os hábitos pioram nossa cognição, eles também podem melhorá-la significativamente. Cortesia de algo que os cientistas chamam de plasticidade do cérebro. É a capacidade de ele se adaptar, reorganizar e evoluir ao longo da vida. Apesar de isso ser mais presente quando somos menores, essa habilidade permanece conosco até a idade avançada. Ufa.
Use os bloqueios a seu favor
O primeiro passo é mudar as configurações dos seus dispositivos. Remova as notificações que não são urgentes (pense: tem diferença se eu ver isso em 5 minutos ou 5 horas? Se a resposta for não, você já sabe o que fazer).
“Se o sono perfaz o ponto alto do descanso físico, o tédio profundo constitui o ponto alto do descanso espiritual. Pura inquietação não gera nada de novo. Reproduz e acelera o já existente.”
Byung Chul-Han, Sociedade do Cansaço
Tanto o iOS quanto o Android possuem o modo Não Perturbe – configure-o para deixar passar apenas pessoas que precisam te contatar em caso de emergência, como familiares, cônjuges e um ou dois amigos próximos. Dessa forma, quando precisar se concentrar em alguma tarefa do trabalho, um aperto de botão eliminará toda a distração possível.
Dentro dos aplicativos, configure limites de tempo de uso (todos têm isso disponível). Considere mesmo se é necessário tê-los à disposição a todo momento – que tal apagá-los aos finais de semana? Essas limitações o ajudarão muito a começar a se desvencilhar do uso inconsciente dessas plataformas (fizemos uma reportagem completa sobre o assunto na última edição da revista Você RH, que você pode ler aqui).
O “modo dormir” também está disponível em ambos os tipos de software – é possível bloquear todos os aplicativos por um período de tempo, até deixar o telefone em preto e branco depois de determinado horário (o que tira muito a vontade de pular à toa de app para app – experiência própria). De quebra, você melhora seu sono, que é bastante afetado pelo uso de eletrônicos. Mas isso é outra história.
Além das mudanças nos aparelhos, também é necessária uma de comportamento. Se os seus colegas de trabalho estão acostumados a receber instantaneamente uma resposta, passarão a se comportar como se toda mensagem relativa ao trabalho fosse urgente, e demandasse sua atenção plena naquele momento. Spoiler: a maior parte não é.
Designe momentos do seu expediente para que você se dedique às tarefas que dependem de um maior esforço cognitivo, sem interrupções. Cal Newport, professor da Universidade de Georgetown e apresentador do podcast Deep Focus, que fala justamente sobre adotar técnicas de concentração mais profundas em um mundo cada vez mais distraído, recomenda que você separe dias para cada tipo de atividade.
Precisa lidar com reuniões, organização de planilhas, envio de arquivos, burocracias? Deixe um dia todo reservado exclusivamente para tirar essas tarefas da frente. Nos outros, será possível se dedicar de forma mais plena às atividades intelectuais.
“Confie em mim: ninguém vai perceber que você fica indisponível em tais horários ou dias da semana. Nem é preciso avisar ninguém. Ninguém se importa. Faça isso por você e pela sua concentração”, argumenta o especialista em um episódio do podcast sobre tempo (e como recuperá-lo).
Leia livros! Veja filmes!
Um livro, como você deve saber, não é tão bom em prender você como a internet. Você precisa doar a ele sua atenção – ela não é roubada (como é nas redes sociais).
Mas as vantagens de voltar (ou adquirir) o hábito são incontáveis. Pesquisas comprovam que a leitura melhora nossa função cognitiva (famigerada memória e pensamento crítico, que se deterioram no brain rot); aprimora nosso vocabulário, reduz nossos níveis de cortisol, amplia nosso repertório intelectual, estimula nosso cérebro e, claro, melhora nosso foco.
Ainda, um estudo de 2020, feito com 34 estudantes japoneses da Universidade Showa, descobriu que ler em papel traz significativamente mais compreensão de leitura do que ler em um dispositivo eletrônico.
Benefícios similares valem para filmes. Desligue seu telefone, revisite títulos que eram importantes para você em sua infância e adolescência, crie listas para assistir e discutir com seus amigos. Atualize-se quanto ao Oscar, a outros festivais de seu interesse. “Vá ao cinema! Daqueles que te expulsam se você usar o telefone durante a sessão”, defende Pedro. A imersão é um prato cheio para a concentração plena.
“Está na hora de voltarmos a fazer o cultivo de uma vida intelectual”, argumenta Edwiges Parra, professora da FGV e psicóloga especialista em saúde mental digital. “Não precisa sequer ser relacionado à sua área. Basta que sejam conteúdos mais longos e reflexivos”, complementa.
Guia breve do hobby
Também fora do escritório, é preciso encontrar atividades que ocupem o tempo que você passaria scrollando pela sua timeline. Shiozawa traz os três pilares do hobby:
- Precisa ser desafiador (intelectual ou fisicamente). Fora da nossa zona de conforto;
- Precisa ter foco na prática, não na teoria;
- Precisa ter colaboração e troca com outras pessoas.
Um estudo publicado em 2024 por pesquisadores da Universidade Anglia Ruskin, no Reino Unido, descobriu que participar de atividades manuais (como crochê, tricô, cerâmica, pintura e por aí vai) aumenta significativamente nossa satisfação com a vida e nossa felicidade. Ainda mais do que ter um emprego, inclusive.
Esses são apenas alguns exemplos. Aprender uma nova língua, fazer uma aula de Zumba, inscrever-se com amigos em um curso de culinária… As possibilidades são infinitas – e bem mais interessantes do que qualquer vídeo de 30 segundos que você possa ver na internet.
“O hobby é a fisioterapia do cérebro. Você ativa áreas cerebrais que não ativaria de outro jeito”, diz o especialista. “Esse é um convite para retornar ao analógico!”
Não é uma briga justa
Disse antes, repito agora: usar muito o celular não é uma falha de caráter. O brain rot não é consequência direta de atitudes individuais, e sim parte de uma engrenagem de mercado bilionária criada justamente para roubar a sua atenção.
Em uma entrevista de 2017, Sean Parker, um dos fundadores do Facebook, disse: “O processo de pensamento que levou à construção desses aplicativos, sendo o Facebook o primeiro deles, era: ’Como consumimos o máximo possível do seu tempo e atenção consciente?’”.
“Só Deus sabe o que isso está fazendo com os cérebros dos nossos filhos”, complementou. Essa já sabemos a resposta: guinou a humanidade a um caminho cada vez mais distraído, acelerado e vazio. Usando o título de uma das obras de Neil Postman, teórico de mídia e crítico cultural americano, escrita nos anos 1980: estamos, literalmente, nos entretendo até a morte.
Apesar disso, é perfeitamente possível fazer um esforço para retomar o controle sobre nosso destino. Mais: é nossa responsabilidade. Um trecho de Walden fala justamente sobre isso: “As coisas não mudam; nós mudamos”. Sua carreira – e sua vida – agradecem. Thoreau, provavelmente, também.