Este fundador de startup precisou vencer a desconfiança do mercado
Vitor Torres explica como foi contra a percepção geral e digitalizou um segmento que parecia fadado eternamente à papelada: o de contabilidade
Matéria originalmente publicada na Revista VOCÊ S/A, edição 265, em 19 de junho de 2020.
Fundador da startup Contabilizei, Vitor Torres, nunca atuou com contabilidade. Primeiro, foi tenente do Exército, onde liderou uma tropa de 40 homens. Depois, já formado em administração de empresas, tornou-se consultor de negócios. Disposto a afiar o inglês, deixou o emprego e se mudou para Londres com a mulher e a filha, então com 5 anos. Na Inglaterra, trabalhou em bares preparando drinques até ser contratado como consultor de uma companhia inglesa da área hoteleira. Em 2009, de volta ao Brasil, abriu sua própria consultoria corporativa. Naquele momento, o internet banking avançava no país, e Vitor teve um insight: “Se os bancos estavam digitalizando serviços, por que não fazer o mesmo com os escritórios de contabilidade?”. Apesar de acreditar na ideia, não foi fácil tirá-la do papel. “Diziam que eu estava louco e que a burocracia no Brasil era complexa demais para ser feita online.” Mas ele não desistiu.
Foram dois anos até estruturar o negócio, encontrar parceiros dispostos a abraçar o projeto e colocar a tecnologia de pé. Em 2013, após cerca de 600.000 reais investidos (basicamente para manter Vitor e os dois sócios, um contador e um desenvolvedor), nasceu a Contabilizei. De lá para cá, a startup conquistou mais de 10.000 clientes, expandiu para 45 cidades e recebeu três rodadas de aportes, a última delas de 75 milhões de reais. Com 400 funcionários e dobrando de faturamento a cada ano, o desafio agora é vencer a crise imposta pela covid-19. “Montamos uma equipe dedicada a conversar com nossos clientes e ajudá-los a rever custos e planejar melhor a parte financeira. E temos escutado de nossos investidores que estamos entre as companhias com melhor desempenho do portfólio deles.”
Raio X do fundador
1 | Qual “dor” você resolve?
Toda vez que uma empresa nasce e ganha um CNPJ, ela precisa de um contador para enviar mensalmente suas informações ao governo. E esse serviço, na maioria das vezes, custa caro para o pequeno empresário. Resolvemos esse problema de duas maneiras: fazemos a formalização do negócio gratuitamente e, depois, cuidamos da parte burocrática por um valor mensal acessível. Somos um escritório de contabilidade que resolveu investir em tecnologia e conseguiu escalar no Brasil.
2 | De que maneira surgiu a ideia da Contabilizei?
Eu tinha uma consultoria de educação corporativa e usava o serviço de contadores. Minha empresa passou por quatro deles, mas era caro e o atendimento quase sempre ruim. Em 2011, quando começou a surgir o internet banking, pensei: “se o banco está digitalizando os serviços, por que não fazer o mesmo com a contabilidade?”. Mas todo contador com o qual eu conversava me dizia que era impossível colocar minha ideia de pé, que as regras no Brasil eram muito complexas para ser digitalizadas. Levei um ano para encontrar um contador disposto a ser meu sócio.
3 | Como foi estruturar o negócio?
Quando estava tentando validar minha ideia, passei três meses imerso no escritório de contabilidade de um amigo. Ao mapear processos, fui percebendo que o cálculo mudava a depender do setor e do tamanho da empresa, um “balaio de gato” difícil de contemplar num software. Foi aí que entendi que deveria nichar o público, ampliando nossa atuação aos poucos.
4 | Qual foi o maior desafio enfrentado?
Superar a desconfiança. escutávamos muito frases como “quando a esmola é demais, o santo desconfia”. Levamos quatro meses para conquistar os 100 primeiros clientes e fizemos isso num esquema híbrido. Cada vez que alguém se inscrevia na plataforma, eu ligava pessoalmente para me apresentar. Passava até minha página do LinkedIn para que vissem que eu existia mesmo.
5 | E, mesmo assim, o negócio escalou?
Ao comprovar que nós oferecíamos um serviço igual ou superior por uma fração do preço do mercado, os primeiros clientes se tornaram embaixadores. Nós crescemos rápido, no boca a boca. Terminamos o primeiro ano com 300 clientes; e o segundo, com 3.200. De 2014 para 2015 saltamos 11 vezes. Provamos que dava para fazer contabilidade online por um valor justo.
6 | Qual foi o maior erro que você cometeu?
Tive dois sócios de tecnologia, mas nenhum deles avançou. Fiz a seleção errada: considerei apenas a capacidade técnica, sem observar os valores. Descobri que a espinha dorsal de uma sociedade é a compatibilidade no jeito de trabalhar, na visão do negócio e no comprometimento.
7 | Quais foram o melhor e o pior conselho que você recebeu?
O melhor conselho veio de um de meus investidores, que é fundador do Mercado Livre. Ele me disse que era melhor fazermos poucas coisas “nota 10” do que muitas “nota 7”. Isso me ajudou a concentrar a energia naquilo que era importante. O pior, que nunca segui, foi: “fake it till you make it” [“finja até conseguir”, em português]. EsSe tipo de raciocínio cria uma cultura ruim. não se faz uma empresa grande e sustentável da noite para o dia.
8 | Quem o inspira e por quê?
O piloto Ayrton Senna é uma grande inspiração. Ele era focado, disciplinado e determinado. Mesmo em primeiro lugar, continuava acelerando, pois queria bater o recorde. e um dos nossos valores é ser 1% melhor todos os dias.
9 | Se pudesse dar uma dica aos empreendedores, qual seria?
Procure trazer para sua startup o chamado smart money. Bons investidores não entram só com dinheiro; eles aportam conhecimento. Imagine você ter ao seu lado as pessoas que transformaram o Mercado Livre no que ele é hoje? Toda vez que decidimos fazer essas rodadas, buscamos fundos que agreguem algum expertise para nossa empresa.