Vinho na caixa? Embalagem conserva a bebida por 30 dias depois de aberta

A Fabenne, startup de vinho em caixa, aumentou o faturamento durante a quarentena e espera um saldo positivo de R$ 4 milhões ao final de 2020.

Por Monique Lima
Atualizado em 7 jun 2021, 14h06 - Publicado em 30 out 2020, 16h00
Adriano Santucci, da Fabenne: a iniciativa veio após um happy hour que deixou vinho sobrando na garrafa. (Celso Doni/Você S/A)
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O ano é 2017. Três amigos da Mooca, bairro italiano de São Paulo, tomam um vinho em casa numa quarta-feira à noite, depois de um longo dia de trabalho. Conversa vem, conversa vai, na hora da despedida eles se dão conta de que a última garrafa ainda está cheinha. E de que não daria para guardá-la, porque o vinho oxida rápido. O jeito era beber tudo ou jogar fora (ainda que na geladeira ele sobreviva mais uns dias, mas fique completamente sem graça).

Foi essa situação, tão comum, que fez Arthur Garutti e os primos Adriano e Thiago Santucci pesquisar sobre embalagens diferentes para vinhos, só por curiosidade. “Foi quando descobrimos a bag-in-box como solução para conservar a bebida, e tivemos a ideia de empreender com as caixinhas”, conta Adriano.

Uma bag-in-box é exatamente o que seu nome indica: uma caixa de papelão com um saco dentro. Ela não é feita para colocar o vinho que sobrou da garrafa, mas para substituir a garrafa de vidro, desde o processo de fabricação. A caixa vem com uma torneira e você se serve por ali. O segredo é que o saco se contrai quando o vinho sai. Ou seja: a bebida permanece selada a vácuo. Mal entra em contato com o ar. Diferentemente de uma garrafa, que é toda invadida por oxigênio no momento em que você saca a rolha. Com menos O2 nesse processo, o vinho demora bem mais para oxidar e dá para ir tomando no dia a dia sem se preocupar com garrafas meio cheias.

A ideia ainda parece exótica no Brasil, mesmo entre os bebedores contumazes de vinho. Mas já está consolidada em países bem enófilos, como a França e a Itália. Os vinhos bag-in-box não são uma ideia nova. A primeira versão, diga-se, surgiu na Austrália, outro país amante do suco de uva que passarinho não bebe, ainda em 1967. Tudo isso deu uma força para que o trio seguisse com a ideia. “Somos três descendentes de italianos, apaixonados por vinho e pela oportunidade de difundir no Brasil um negócio que já funciona muito bem lá fora.” Assim nasceu a Fabenne, no início de 2017. Mas o processo de tirar o plano do papel não seria tão simples.

Um produtor gaúcho

Os três tinham empregos formais. O início, então, foi no modo jornada dupla. Qualquer minutinho livre servia para fazer mais pesquisas, análise de mercado, modelos de negócio, preparação de documentos. A escolha da vinícola parceira, porém, era estratégica. Eles precisariam de tempo para viajar à Serra Gaúcha, responsável por 85% da produção nacional de vinhos. “Conseguimos uns dias de folga no trabalho e fomos os três para o Rio Grande do Sul conhecer algumas opções.”

Chegando lá, uma surpresa. O trio da Mooca descobriu que as bag-in-box não eram algo de outro mundo. A ideia australiana de vender vinho dentro de bexigas de plástico envoltas em papelão já tinha chegado por lá. Algumas vinícolas comercializavam seu vinho dessa forma, ainda que em pequena escala.

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Thiago, à esquerda; Arthur e Adriano, à direita: trio fundador da Fabenne. (Divulgação/Você S/A)

“Vimos muitas opções de parceria, mas queríamos uma vinícola familiar, com espaço e capacidade para crescimento, e que movimentasse a economia local”, diz Adriano. A última visita foi a da eleita: a cooperativa Vinícola São João, de Farroupilha (RS). Ela conta com 450 famílias associadas que trabalham no cultivo da uva e produzem vinhos, espumantes e suco. Com dinheiro do próprio bolso, vinícola parceira escolhida, contrato com a empresa americana fabricante das caixas firmado e a proposta de produto viável pronta, o projeto saiu do papel no final de 2017, seis meses depois daquele vinho numa noite de quarta.

Hora de servir

Mudar a embalagem de um vinho é mexer com uma tradição arraigada e com um fato: o vidro segue sendo o melhor material para estocar a bebida, pelo menos até o momento em que a rolha sai. Mas existe um caso específico em que o vinho em caixa vem bem a calhar: o dos restaurantes que vendem “vinho da casa” – produtos de preço mais baixo e qualidade honesta, caso o dono do restaurante se importe com a reputação do estabelecimento. Vinhos da casa não chegam à mesa em garrafas, mas em taças (ou em vasilhas maiores e reutilizáveis), e a caixa acaba sendo uma mão na roda nesses casos.

Numa situação normal, o restaurante precisa jogar fora o que tiver sobrado da última garrafa de vinho da casa ao fechar as portas. Com a bag-in-box, esse problema acaba. Cada bag convencional tem de 3 a 12 litros. E o vinho se mantém bebível por longos 30 dias. Mais: garrafas quebram de vez em quando, aumentando o prejuízo. Já a versão em caixa é dura na queda. “É um produto diretamente ligado aos restaurantes. A comercialização das bag-in-boxes representa somente 1% do mercado”, diz Felipe Galtaroça, CEO da Ideal Consulting, empresa de auditoria especializada no segmento de bebidas e alimentos.

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O mercado B2B (em que o público-alvo são outras empresas) permitiu à Fabenne parar de pé. Ao final de 2018, a startup conseguiu sua primeira captação. Foram R$ 720 mil de investidores anjos. Além disso, consolidou uma base de 70 restaurantes clientes e teve um faturamento de R$ 200 mil reais no ano. Em 2019, recebeu nova captação, agora de R$ 900 mil, aumentou a carteira para 180 estabelecimentos comerciais e o faturamento para R$ 1,8 milhão.

“Foram dois anos de aprendizado: aprimoramos a bebida com a ajuda do feedback dos restaurantes, montamos o e-commerce e desenvolvemos a produção.” Com as engrenagens do negócio girando, Adriano passou a cuidar da Fabenne em tempo integral, enquanto Arthur e Thiago seguem em jornada dupla nos empregos fixos.

Sucesso na quarentena

A Fabenne não está sozinha nesse mercado. Ainda em 2005, as vinícolas gaúchas Casa Valduga e Miolo já tinham ingressado nesse modelo. Há também a concorrência de outros países. Modelos importados de bag-in-box chegam ao Brasil pelo menos desde 2008, de acordo com a União Brasileira de Vitivinicultura. O que tem acontecido nos últimos tempos é uma maior aceitação das caixinhas.

O aumento das vendas de bag-in-box no primeiro semestre de 2020, comparado com 2019, foi de apenas 1%. Mas a porcentagem baixa engana. Se você não estava em Marte nesse período, sabe que os restaurantes passaram meses fechados nesse meio-tempo, por conta da pandemia. E mesmo assim as vendas de vinho em caixa se mantiveram. Ou seja: o consumidor final passou a comprar bag-in-box para tomar em casa – de fato, é mais prático pedir uma caixa de 3 litros para delivery do que quatro garrafas de vidro.

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O aumento no consumo geral de vinho, na verdade, foi brutal. A consumação cresceu 27,8% no primeiro semestre de 2020, em comparação com o mesmo período de 2019, de acordo com a Ideal Consulting. Isso dá 2,81 litros per capita, em média. Pouco se comparado com franceses e italianos, sim, porém mais do que o 1,9 litro em que os brasileiros estavam estacionados há alguns anos. E, sim, o vinho de caixa surfou nessa onda. E agora não é mais tão desconhecido assim.

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Só no primeiro semestre de 2020, a empresa igualou o faturamento de todo o ano passado. (Celso Doni/Você S/A)

Nesse cenário de crescimento do modelo, a Fabenne tem ajustado o foco para os consumidores finais, segundo Adriano. “Depois do crescimento de 2019, já tínhamos marcado 2020 como o ano de expansão entre os clientes diretos.” Deu certo. Com o impulso do e-commerce e aposta em parcerias com influencers digitais para marketing de divulgação, a Fabenne alcançou 20 mil bags vendidas entre março e julho – o equivalente a todas as vendas de 2019. Além disso, os acessos de visitantes únicos no site cresceram seis vezes, com picos de 5 mil cliques diários.

Com um portfólio de vinhos tinto (cabernet sauvignon), branco (moscato giallo) e rosé (com uvas malvasia e cabernet sauvignon), a expectativa da empresa é manter o ganho em escala dos últimos meses para um faturamento de R$ 4 milhões ao final de 2020. Além disso, o aumento de portfólio com mais opções de vinhos também está no horizonte da startup. Um brinde ao vinho nosso de cada dia.

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