O guia do feedback
São poucos os funcionários que contam com feedbacks bem dados. E quem dá a sorte de passar, muitas vezes não sabe ouvir. Aprenda como receber e dar feedbacks.
“A gente precisa conversar.” Muita gente treme na base quando escuta isso da chefia. Só dá para pensar em um grande “lá vem bronca”. Pois é. O momento do feedback já tende a começar mal.
Como se não bastasse o nervosismo que bate na hora, você ainda pode se deparar com um gestor que te enche de críticas e ainda usa um tom ameaçador. Você também pode colocar tudo a perder se entrar em modo de defesa. E o que era para ser uma conversa vira o caos.
O que é uma pena, pois as avaliações de desempenho são mais importantes do que parecem. As companhias se beneficiam com um ambiente que incentiva o feedback. Quando bem feito, ele aumenta a satisfação da equipe, ajuda no engajamento e retém talentos.
Não é papo de coach: segundo a consultoria Gallup, os funcionários que recebem feedbacks têm uma taxa de rotatividade 14,9% menor do que aqueles que não são avaliados. O engajamento também é três vezes maior entre aqueles que têm conversas diárias com seus gestores, contra os profissionais que recebem feedback uma vez por ano.
Sem falar que a avaliação é a melhor forma de alinhar o profissional com a cultura empresarial. “Se a pessoa não sabe onde está errando, como vai mudar? Ela precisa receber informações sobre como é percebida pelos outros e os impactos que está causando para gerenciar melhor seus comportamentos”, afirma Thaylan Toth, especialista em gestão de pessoas e CEO da Mindsight.
Por que o feedback é uma luta contra a natureza humana
Apesar das vantagens, o feedback não faz parte do dia a dia das empresas. Uma pesquisa da FIA identificou que um em cada cinco trabalhadores simplesmente não recebe avaliações. Humanos não são seres especialmente abertos ao feedback.
Essa é uma questão biológica: nascemos nos achando perfeitos – e alguns morrem sem nunca ter mudado de opinião. Isso torna a própria ideia da avaliação algo particularmente desconfortável.
“Eu tenho a minha autoimagem. Quando vem uma informação de fora que quebra essa ideia que tenho de mim mesmo, a primeira reação vai ser de defesa”, diz Thaylan. “Repelir o feedback é um instinto.”
Se os humanos já vêm de fábrica com esse defeito, no Brasil tende a ser pior – é uma questão cultural. “Somos seres relacionais. O que a gente pensa é: se eu falar para a pessoa que a atitude dela não foi legal, ela vai deixar de gostar de mim. Então fugimos das conversas difíceis”, diz Andrea Krug, especialista em recursos humanos.
E mais: boa parte dos líderes não sabe (e nem foi preparada) para conduzir um feedback. É comum que bons profissionais, aqueles que mais entregam resultado, sejam os promovidos. Mas gestão exige muito mais do que domínio técnico da função. Demanda altas doses de empatia. É raro as duas qualidades estarem no mesmo pacote.
Outro problema: nem sempre o promovido é quem tem maior capacidade técnica. É o que tem mais “empatia” – com aspas mesmo; pois estamos falando em empatia com a cúpula da empresa, não com os colegas. É o que sabe agradar quem está em cima, mas não enxerga quem está ao lado e pisa em quem está embaixo.
Desses, é melhor mesmo nem receber feedback. Esse tipo de profissional é autocrático. O que ele diz vira uma verdade absoluta. Isso gera um ambiente no qual a equipe não se sente à vontade para contra-argumentar, e a avaliação se torna só um momento no qual o gestor solta os cachorros em cima do subalterno. E não se trata de uma ferramenta a ser usada só quando as coisas não vão bem. O feedback positivo reforça atitudes que devem ser mantidas.
É recomendável, inclusive, que ele seja feito na frente de outras pessoas, para que o restante da equipe saiba que as ações benéficas devem ser replicadas. E atenção: os feedbacks negativos, por outro lado, devem ser sempre dados individualmente. Fazê-los em público é a receita para que você, gestor, perca a confiança da equipe. E não dar feedback nenhum é a fórmula perfeita para perder o controle sobre a equipe.
Voltemos ao feedback positivo. Ele não é só elogios. É preciso detalhar quais foram os pontos fortes. Dizer que uma apresentação foi ótima, por exemplo, não significa nada. O correto seria algo como: “Parabéns, você mostrou pontos importantes para a nossa tomada de decisão. Sua conclusão sobre o projeto ajudou a equipe a reduzir os custos”. Dessa forma, a pessoa sabe exatamente o que está certo e precisa ser mantido.
A regras de um bom feedback
Número um: a avaliação deve ser específica. Não faça uma reunião para falar tudo o que a outra pessoa precisa melhorar – isso só vai fazer com que ela pense que é incompetente, ou que está sendo perseguida. Para evitar isso, cada feedback deve ser sobre um único assunto.
E toda conversa deve ser baseada em fatos. Por exemplo, o Pedro está chegando atrasado com frequência. O que o chefe do Pedro não pode é falar: “Eu não aguento mais! Já falei mil vezes que você sempre chega atrasado. Ou você muda ou eu mudo você”. Isso não é feedback. É ameaça.
A melhor abordagem seria: “No último mês, você chegou atrasado 15 vezes. Isso gerou um impacto de dez horas de produção. Quando você chega atrasado, alguém se sacrifica por causa disso. Vamos entender como resolver isso?”.
Adendo: se você é o Pedro, não adianta dizer que “não vai atrasar mais”. Mostre o que você pretende fazer para chegar na hora. Isso gera confiança. E, entre nós: não é tão difícil deixar de atrasar 10 minutos – a vida dos seus colegas que não atrasam também não é mansa.
Regra número dois: gestor, não deixe acumular frustrações. É comum que as empresas tenham uma ou duas datas ao longo do ano para fazer o feedback. Se a sua empresa funciona assim, desrespeite. O funcionário deve se lembrar exatamente do que aconteceu e por que tomou tal atitude. Já imaginou chegar em uma reunião em agosto e ser questionado sobre coisas que aconteceram em janeiro? Se era algo realmente importante, deveria ter sido discutido em janeiro. Ponto.
A frequência das reuniões vai depender da rotina da equipe. Empresas que trabalham com a chamada “metodologia ágil”, que fracionam as entregas de um projeto, costumam ter as avaliações semanalmente, pois qualquer falha pode colocar tudo a perder. Companhias nas quais a rotina é mais calma não precisam de tanto. O que não pode é fazer um feedback e depois nunca mais. Ele deve ser uma prática constante. E, de novo, se rolou um motivo para feedback em algum momento entre as avaliações obrigatórias, não deixe o assunto esfriar.
Detalhe: não faça quando estiver de cabeça quente. A chance de ofender alguém é maior quando se está com raiva. Espere uns dias antes de chamar a pessoa para uma conversa.
A regra número três é exemplificar. Um feedback só tem efeito se, ao final, o avaliado criar um plano de melhoria. E ele não precisa fazer isso sozinho. Em vez de só jogar as informações, você também pode dar exemplos do que ele poderia fazer diferente; mostrar soluções.
Esse plano de ação nem precisa ficar pronto no mesmo dia da conversa. Dê tempo para que o funcionário absorva tudo o que foi dito.
Como se preparar para um feedback
Um bom feedback demanda planejamento. Antes da conversa, reflita sobre o que vai ser dito – nada de fazer no improviso. Escreva um roteiro dos pontos mais importantes e aproveite para separar os dados que vai apresentar. Também avalie se a conversa é realmente necessária. Vamos voltar para o caso de Pedro, o atrasado. Imagine que o atraso dele não interfira na rotina da equipe, não prejudique os colegas, não atrapalhe no desempenho, e ele ainda compense trabalhando até tarde.
Nesse caso, vale mesmo um feedback? Ou seria só um capricho? Uma avaliação negativa pode até surtir o efeito contrário. Desmotivar o funcionário. Pedro vai procurar por um emprego com horário flexível. E você perde um bom funcionário de bobeira.
Quem recebe o feedback pode separar dados que mostrem seu desempenho. Mas o principal é se preparar emocionalmente. Não leve a conversa para o lado pessoal. Pode ser uma tarefa difícil, mas o feedback precisa ser encarado como uma ferramenta de melhoria.
Não saia chutando o balde quando não concordar. Se você já partir para uma posição defensiva, pode transformar a reunião numa discussão de bar.
Pior: vai deixar claro que não está aberto para a cultura do feedback. Trata-se de uma postura tóxica para a carreira. A empresa vai entender que você não está disposto a melhorar.
Aproveite o momento para entender se o seu chefe está satisfeito com o seu trabalho. Pergunte em quais aspectos seria uma boa evoluir. Isso vai melhorar a relação entre vocês. Também anote tudo o que está sendo dito. A anotação faz você prestar mais atenção e vai te ajudar a elaborar um plano de ação mais efetivo.
Feedback remoto
O ideal é que o feedback seja feito presencialmente. Mas agora, com boa parte das empresas adotando o modelo híbrido – no qual parte da jornada de trabalho é em casa –, a avaliação precisa ser remota.
Mas não tem muito segredo: continuam valendo as regras para estruturar a conversa e todo o processo de preparação. A diferença é que, nesse modelo, o feedback é ainda mais importante. A distância, afinal, dificulta a comunicação, a integração e o alinhamento de tarefas.
Para evitar esses percalços, o contato entre as pessoas precisa ser maior. Quando você está no escritório, conhece o jeito do seu chefe, dos colegas. Sente no ar quando tem algo de errado. Para driblar a falta dessa atmosfera, a equipe tem de criar uma rotina de conversas. Vale falar com os colegas e com a liderança sobre assuntos que vão além do trabalho. Isso facilita na hora da avaliação – de outra forma, serão dois estranhos conversando.
Ah, e nada de usar o WhatsApp. A conversa tem que ser por vídeo e de câmera aberta, bem olho no olho mesmo.
Também é importante prestar atenção nos feedbacks informais. Os formais são aqueles em que você marca uma reunião, se prepara e pensa em um plano de ação. Já os informais acontecem no dia a dia quando o gestor faz uma correção ou parabeniza por um resultado.
A consultora de RH Silvia Spessotto destaca que essas avaliações mais simples não podem passar despercebidas. “Elas são importantes para alinhar o comportamento das pessoas sem ter de interromper a rotina do trabalho. O líder está o tempo inteiro passando feedbacks.” Entenda isso, e suas avaliações formais serão bem mais agradáveis.
A arte do feedback
- Como fazer
Escolha bem o lugar
O ideal é criar um ambiente em que a pessoa se sinta confortável e não associe a prática a uma experiência negativa. Dada a carga emocional por trás de uma avaliação, é normal, por exemplo, que a pessoa comece a chorar – mesmo se a conversa estiver indo bem. Então sempre tenha a reunião em um local isolado.
Nada de desabafo nem de fofoca
Cuidado: não descarregue as suas insatisfações com o fígado. Qualquer crítica deve estar baseada em fatos – sempre olhando para o lado profissional, nunca pessoal. Evite frases como “me disseram que você não está colaborando”. O feedback não pode considerar coisas ditas por terceiros, pois podem ser uma interpretação enviesada.
Defina as regras
Quando um interrompe o discurso do outro, gera tensão, e ninguém escuta mais o que está sendo dito. Defina as regras antes mesmo de começar a conversa. Por exemplo: você pode orientar que o outro espere que você diga o que tem para falar antes de responder. Também dá para ser menos formal e fazer pausas periódicas para que a pessoa possa se posicionar.
Vá direto ao ponto
Não ficar misturando a avaliação positiva com a negativa. Isso pode confundir o ouvinte. Comece deixando claro que esse é um momento de feedback, e mostre o que vai ser discutido. É um problema de comportamento? Então fale: “Eu te chamei para essa conversa de feedback, porque há uma questão de comportamento que precisamos trabalhar”.
Seja preciso
Falar “achei seu relatório ruim” ou “parabéns, sua apresentação estava excelente” não ajuda em nada. Você deve detalhar os motivos pelos quais o trabalho não estava bom. Assim, quem está recebendo o feedback sabe exatamente qual é o problema e o que precisa ser melhorado.
Dê espaço
Feedback não é monólogo. A pessoa que está sendo avaliada deve ter espaço para se posicionar e apresentar os seus próprios dados. Encoraje o outro a falar o que entendeu e fazer perguntas. Afinal ele pode dar um argumento que explique o que o levou a tomar uma atitude malvista, e até indicar que a avaliação pode estar equivocada.
- Como receber
Não fique na defensiva
Muitas vezes a gente não percebe onde está errando, e é para isso que serve a conversa. Mais: quando o cérebro entra no modo defensivo, ele para de prestar atenção ao que está sendo dito; passa simplesmente a bolar formas de sair daquela situação. Aí tudo está perdido.
Faça anotações
Essa é uma reunião de trabalho. Anote os problemas que estão sendo apresentados e os resultados que esperam de você. Essas anotações ajudam a compreender melhor as ideias que foram passadas. Além disso, anotações podem ser úteis na hora de montar um plano de melhoria.
Linguagem corporal
O psicólogo Albert Mehrabian defende que 55% da nossa comunicação é silenciosa, não verbal. Não fique de cara fechada e braços cruzados – são sinais claros de que você não está disposto a ouvir. Relaxe, mantenha o contato visual e demonstre interesse.
Pergunte
Resista ao impulso de sair se explicando. Espere a outra pessoa terminar de falar, preste atenção em tudo que foi dito e pergunte caso algo não fique claro. Peça exemplos de qual seria o comportamento ideal, de como o trabalho deveria ser feito ou alternativas para melhorar. O plano de ação deve ser elaborado em conjunto.
Hora da autoavaliação
Ninguém em sã consciência espera que você mude suas atitudes da noite para o dia. Isso demanda um processo de autoavaliação. Você não precisa concordar com tudo o que foi dito, mas deve, sim, refletir sobre o assunto. Filtre as sugestões de melhoria que fazem mais sentido e coloque-as em prática.
Crie o hábito da avaliação
Não espere o seu líder chamar. Se você está em dúvida sobre o seu desempenho, colocou seu plano de ação em prática e quer saber se está funcionando ou finalizou um projeto, tome a iniciativa e peça pelo feedback. Dessa forma, a outra pessoa vai saber que você está interessado em melhorar profissionalmente.