Presidentes explicam como funciona a gestão compartilhada

Caroline Cintra e Gabriela Guerra, da multinacional de tecnologia ThoughtWorks, falam sobre a responsabilidade e os desafios de compartilhar o cargo de CEO

Por Mariana Poli
Atualizado em 16 out 2024, 12h55 - Publicado em 27 fev 2018, 10h00
VOCESA , 22/11/2017 , FABIANO ACCORSI , SAO PAULO-SP, As presidentes da ThoughtWorks , Caroline Cintra (vestido, em pé) e a Gabriela Guerra (sentada), empresa de TI americana com sede em Porto Alegre; no escritotio da Paulista em SP. (Fabiano Accorsi/VOCÊ S/A)
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As executivas gaúchas Caroline Cintra, de 40 anos, e Gabriela Guerra, de 31, tornaram-se presidentes da ThoughtWorks, multinacional americana especializada em desenvolvimento criativo de software, em meio à pior crise política e econômica da história recente do país. Era fim de 2015 e a tarefa das duas consistia em manter a empresa avançando apesar do caos.

Enquanto a economia brasileira cresceu pífio 1% em 2017, elas fizeram o faturamento subir 51%, contrataram centenas de pessoas para a equipe e conquistaram a confiança de grandes clientes, como Latam, Sicredi e Ticket. A missão da companhia, apelidada de ­Ben & Jerry’s da TI, é melhorar a humanidade por meio de softwares. Por lá, pregam-se capitalismo consciente, diversidade, autonomia e justiça social e econômica — tudo isso, claro, sem abrir mão do lucro: o faturamento global foi de quase meio bilhão de dólares.

Em entrevista para a VOCÊ S/A, elas falam sobre como conseguiram esse feito com uma gestão compartilhada.

Como chegaram à ThoughtWorks?

Caroline Cintra: sou formada em ciência da computação e trabalho há 15 anos em projetos de desen­volvimento de software. Cheguei à ­ThoughtWorks há seis anos, como analista. Virei gerente de projetos e, em 2014, gerente-geral do escritório em Porto Alegre. Após um ano fui convidada pelo presidente [Ronaldo Ferraz, hoje em Londres, numa posição global] a sucedê-lo com a Gabriela.

Gabriela Guerra: meu primeiro emprego foi como operadora da bolsa de valores. Fiz psicologia, estudei aprendizagem e metacognição e ­trabalhei em clínica, agência de comunicação e, por fim, numa escola de atividades criativas. Entrei na ­ThoughtWorks há quatro anos para desenvolver um projeto e depois fui efetivada. Tornei-me líder de justiça econômica e social no Brasil e assumi interinamente, durante seis meses, a liderança global desse mesmo cargo.

Por que a empresa decidiu nomear as duas ao mesmo tempo?

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Gabriela: quando o Ronaldo, ex-presidente, fez o convite, disse que já queria ter pareado. Esse modelo é usado em regiões como Índia e China. Isso acontece, em especial, nos países cujo negócio cresce rápido por causa do potencial de mercado, aumentando a complexidade da operação e o número de escritórios e de pessoas.

Como fazer os funcionários assimilar a liderança em dupla?

Gabriela: deixamos claro para as pessoas que elas não precisam falar a mesma coisa para as duas. Se conversou com uma de nós, está decidido. Não há espaço para conseguir com uma o que não obteve com a outra.

Caroline: também decidimos dividir a atuação invertendo back­grounds. A Gabriela ficou com a entrega de produto; eu assumi a parte de justiça social e econômica. Fizemos isso para melhorar nossos gaps e não estereotipar nossa liderança. E procuramos estar sempre alinhadas. Nunca nos contradizemos. Se for necessário voltar atrás, fazemos isso juntas.

Vocês apresentam bons resultados. Que lições são importantes?

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Caroline: nós tivemos conversas com outros executivos que haviam parea­do a liderança ao redor do mundo. Um deles falou: “O mais importante é vocês conseguirem falar as coisas uma à outra. O resto é experimentar”. 

Gabriela: no começo, foi difícil. Nós tivemos de nos obrigar a dar feed­back, a dizer o que não estava legal. Há poucas pessoas com disposição para ter essas conversas difíceis. E a Caroline é uma delas. Ela sempre dizia: “Vamos lá, se tem alguém que vai fazer dar certo, somos nós duas. Precisamos nos falar as coisas”. Aos poucos, isso se tornou algo natural.

A seleção da ThoughtWorks é considerada pela Forbes a segunda mais difícil do mundo. Por quê?

Caroline: para ser sincera, esse rótulo nos incomoda um pouco e estamos fazendo campanhas para desconstruí-lo. O processo seletivo é criterioso para que haja match entre a pessoa e a cultura. Não precisa ter estudado em Stanford [famosa universidade americana]. Falei com 16 pessoas na seleção. O processo é longo por visar ao engajamento, mas não impossível.

A diversidade é uma bandeira da companhia. O que vocês têm feito para torná-la mais inclusiva?

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Caroline: inserimos nas rotinas da empresa a revisão frequente da diversidade nas contratações. Em nosso programa de pessoas em início de carreira, que inclui uma experiência de seis semanas na China ou na Índia, 80% das 39 contratações de 2017 foram de diversidade de gênero.

Gabriela: além disso, usamos discurso empático e linguagem neutra de gênero ao comunicar uma vaga. Em vez da palavra “desenvolvedor”, que remete ao homem, utilizamos “pessoas desenvolvedoras de software”. Pode soar estranho, mas temos 36% de mulheres na área, um avanço em relação ao mercado. Também trabalhamos ao lado de organizações [como o Instituto Identidade do Brasil] para nos ajudar a aprofundar a justiça racial em nosso ambiente de trabalho. Em 2016, contratamos 9% de diversidade racial. Em 2017, 17%. Um crescimento de quase 100%.

Vocês são duas CEOs na área de TI. Já sofreram preconceito de gênero?

Gabriela: sim, a ponto de pararmos de nos iludir que chegaremos a um lugar do mundo corporativo sem que nos olhem diferente. Uma vez fui receber um prêmio em nome da empresa e não queriam entregar o troféu, como se não pudesse ser a presidente. O público batendo palmas e eu ali, no palco, sem saber o que fazer. Isso reforça a importância de estarmos na posição.

Caroline: concordo. Em dois anos de gestão, fomos de 351 para 540 funcionários e aumentamos o faturamento em 51%. Esses números nos dão enorme confiança. Temos sido convidadas a participar de eventos e decidimos falar abertamente sobre derrubar estereótipos e desmistificar a persona executiva. Acredito que possamos incentivar aquela menina que está entrando no mercado, cheia de incertezas, a quebrar tudo.

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Como derrubar a persona executiva?

Gabriela: a transição do offline para o online mudou tudo. Antes, ao chegar a uma reunião, talvez você fosse a única pessoa a ter certa informação. Hoje em dia, para saber algo, basta pegar o celular. O conhecimento passou a ter outra dimensão. Com base nesse raciocínio, cai por terra a imagem do executivo ou da executiva durões, sempre confiantes. Para criar uma organização da era digital, o líder deve entender, entre outras coisas, que não precisa saber tudo.

Como é tomar decisões em par?

Gabriela: para deliberar questões urgentes, nos falamos o tempo todo (via WhatsApp, e-mail, chat). Nas tardes de sexta-feira, nos reunimos fora da empresa para que não haja interrupções. É muito fácil ser engolida pela rotina, e a ideia desses encontros é discutir o planejamento e pensar o futuro dos negócios.

Já foram questionadas sobre o custo de ter dois CEOs na folha de pagamentos com o país em crise?

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Caroline: o pareamento é uma prática na ThoughtWorks. Durante o desenvolvimento de um software, uma pessoa escreve a linguagem, enquanto a outra observa e dá inputs. Alguns clientes dizem: vou pagar por 20 pessoas, mas só terei dez trabalhando? Justificamos com os ganhos tangíveis que isso traz. Quando há duas pessoas criando, a qualidade dos códigos é superior e há uma diminuição de erros quando o produto entra no ar. Em nosso caso, discutir em conjunto torna as decisões e as soluções bem mais refinadas e efetivas.

É possível conciliar lucro com justiça social e econômica?

Caroline: todos os nossos projetos precisam estar sustentados por três pilares: gerar negócios sustentáveis, revolucionar a indústria de tecnologia e advogar em prol da justiça social e econômica. Nosso desafio é olhar para investimentos e negócios pensando em como equilibrar lucro e causa social.

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