Short selling: como ganhar com as quedas da bolsa
Apostar em quedas para ganhar dinheiro é algo tão natural quanto comprar uma ação esperando que ela suba. E isso ainda ajuda a corrigir distorções do mercado. Entenda melhor a lógica da venda a descoberto.
Há um copo sobre a mesa e a água ocupa metade do recipiente. Aprendemos desde cedo que esse é o enigma que separa os otimistas dos pessimistas: se você enxerga o copo meio cheio, você está no grupo dos que veem o lado positivo das coisas; se olha o copo meio vazio, faz parte do time que encara o mundo pelo prisma negativo.
Transponha a lógica para o mercado financeiro. Bolsas subindo são a epítome do otimismo, a expectativa de que as empresas vão lucrar mais no futuro e de que você levará um naco desse resultado na forma de dividendos e com a valorização dos papéis. É o copo meio cheio dos investimentos. Como espelho disso, a baixa dos mercados é a mais perfeita tradução do pessimismo com o futuro da economia, dos negócios e da sua carteira.
Isso acontece porque o mais comum é que o investidor abra o home broker, escolha uma ação e clique em COMPRAR. Ações da Vale, por exemplo. Você digita VALE3 e seleciona um lote de 100 ações. Vamos supor que cada papel valha R$ 70. O botão comprar troca R$ 7.000 pelos 100 papéis. A expectativa é que as ações passem a valer mais no futuro – R$ 7.200, R$ 7.500… Poderia ser Petrobras, ETF de Ibovespa, Magazine Luiza, Oi, IRB. Tanto faz. Se você compra algo, é com a expectativa de alta.
Só que a subida da Vale, por exemplo, depende de quanto minério a companhia conseguirá produzir e a qual preço ela venderá. Se a China vai mal das pernas e a demanda diminui, danou-se: o lucro da mineradora fica comprometido e as ações começam a cair. É natural, a economia é feita de altos e baixos.
Existem dois jeitos tradicionais de esperar a crise passar: 1) manter o investimento na expectativa de que a baixa seja passageira, ou 2) vender a ação para evitar prejuízos maiores.
Só que o mundo dos investimentos não é tão binário assim. Se você está certo de que o PIB global vai esfriar, que o comércio brasileiro vai encolher por conta da inflação e que empresas vão atravessar dificuldades, não é preciso esperar. Existe um jeito de ver o copo meio cheio quando uma ação, um setor ou a bolsa inteira está em queda. E ganhar muito dinheiro com isso. É o short selling.
O short selling
Para entender como funciona, voltemos ao home broker. Imagine que essa é a primeira vez que você abriu essa tela na vida. O plano é comprar aquelas 100 ações da Vale. Você digita VALE3 e na hora de confirmar o investimento, sem querer você clica em VENDER. E recebe um joinha, operação confirmada.
Opa, mas você vendeu o quê, se não tinha ação nenhuma? Foi um cheque voador? Mais ou menos. Você está no “cheque especial” da corretora – e vai pagar uma taxa por isso; vamos chegar lá.
Por enquanto, o que importa é: a corretora vê que você mandou vender ações que não tinha, e dá um jeito de fazer o negócio acontecer. O robozinho dela vai e confere quem são os outros investidores que têm papéis da Vale. Uma parte dessa turma mantém as ações na carteira por anos a fio, e por isso topa deixá-las à disposição para aluguel, o que rende um trocado extra.
Para quem eles alugam? Para qualquer um que tenha apertado o botão “vender” no home broker sem possuir as ações. No cenário que a gente descreveu lá no início, rola o seguinte: ao clicar no botão você automaticamente aluga de outro investidor 100 VALE3, e o sistema vende essas ações no mercado. Agora você tem uma dívida. Mas não de R$ 7 mil, e sim de 100 VALE3. Vai aparecer lá no home broker um saldo negativo não em dinheiro, mas em papéis.
Para sair do vermelho, você precisa COMPRAR 100 ações da empresa em algum momento e devolver. Vamos dizer então que, em uma semana, VALE3 caiu 10% e agora é negociada a R$ 63. Legal. Você vai e compra 100 papéis por R$ 63 e devolve para o dono. Seu saldo negativo em ações some.
Na prática, você fez uma compra de 100 ações a R$ 63 cada e uma venda a R$ 70. O que mudou foi a ordem. O resultado na sua conta é uma diferença de R$ 700, menos o valor do aluguel, que é basicamente a taxa para ficar no ‘cheque especial’. O aluguel de ações da Vale, por sinal, é baratinho – menos de 1% ao ano. E o mais mágico dessa história é que você ganhou os R$ 700 sem precisar colocar dinheiro seu na jogada.
Em vez de vender 100 ações, você poderia ter vendido 100 mil. O resultado seria um lucro de R$ 700 mil sem esforço aparente – e agourando os 510 mil acionistas da Vale, que esperavam uma alta nos papéis.
Isso é o que o mercado chama de short selling, ou venda a descoberto, em português. “Descoberto” porque você não possui o ativo que está vendendo. Em inglês, é short selling, que tem a mesma acepção – se você diz que está “short of” alguma coisa, significa que você não tem aquela coisa.
O short selling é tão antigo quanto o mercado de ações. Existe desde que a primeira empresa de capital aberto, a Companhia Holandesa das Índias Orientais, lançou suas ações na Amsterdã do século 17. Confira essa história completa aqui.
Só que vender a descoberto é bem mais arriscado do que simplesmente comprar ações de uma empresa. Se você comprar 100 VALE3 e a mineradora quebrar no dia seguinte, seu prejuízo máximo seria de R$ 7.000. Para quem opera vendido, porém, o prejuízo tende ao infinito. Não em caso de quebra, porque aí o lucro seria total. Mas em caso de alta.
Vamos lá. Se a ação sobe a R$ 75, o prejuízo será de R$ 500, se vai a R$ 90, de R$ 3.000. Se salta a R$ 120, o rombo é de R$ 5.000. Se o investidor incauto tivesse vendido não 100, mas mil ações, terminaria a brincadeira devendo um belo apartamento no Leblon.
Por isso, um investidor só vai apostar contra uma empresa se tiver muita convicção. Pode ser que ele acredite apenas que o preço do papel está alto demais em relação ao potencial lucro da companhia. Ou que o setor passará por dificuldades. Ou ainda, que tenha encontrado alguma falcatrua dos gestores – o tipo de coisa que quebra as pernas de qualquer companhia.
Por irem contra o oba-oba tradicional do mercado, os investidores que fazem short selling costumam ser odiados. Porque o risco que eles se dispõem a correr atrai o resto do mercado financeiro como um ímã. Um short se transforma numa espécie de mau agouro, um sinal de que as coisas não estão bem na companhia. E no Brasil tem um exemplo enciclopédico para isso: o IRB.
Quando algo vai mal com a empresa
Foram dois anúncios simultâneos, lá no começo de 2020: a gestora de fundos Squadra detalhou em carta a seus cotistas que havia encontrado inconsistências nas demonstrações financeiras do IRB, o Instituto de Resseguros do Brasil, detalhando suas suspeitas de fraude – os executivos estariam maquiando os balanços da empresa com lucros inexistentes, para garantir seus bônus. E aí a Squadra disse que estava shorteando as ações da companhia, ou seja, vendendo IRBR3 a descoberto, para lucrar quando a empresa eventualmente desmoronasse por má gestão.
Os papéis do IRB àquela época estavam em sua máxima histórica, a R$ 42. A privatização da empresa de resseguros, que tinha rolado em 2013, era considerada um case de sucesso, e o mercado financeiro incensava o negócio justamente porque ele parecia surpreendentemente mais rentável que os seus concorrentes internacionais. As recomendações eram majoritariamente para comprar a ação, já inflada.
Dizer em público que você está apostando contra uma empresa também é um dilema de copo meio cheio ou copo meio vazio. Se você anuncia uma venda a descoberto e mostra as razões, pode atrair investidores para o seu lado – e atingir seu objetivo, que é derrubar o preço do papel. Mais gente vai vender ações da companhia e isso por si só alimenta uma queda.
Quando a Squadra mostrou que os números do IRB não se sustentavam, a primeira reação do mercado foi essa mesma, de sair vendendo, mas havia o benefício da dúvida. E os então gestores da companhia tentaram reagir. Só tem um problema: foi com falcatrua. Eles “vazaram” uma informação falsa afirmando que a empresa de Warren Buffett, a Berkshire Hathaway, havia investido no IRB. A companhia americana desmentiu imediatamente.
Resultado: os papéis derreteram 86% em menos de dois meses, de R$ 42, em janeiro de 2020, para R$ 6 em março do mesmo ano. Por um breve período, no mês de junho, voltaram a R$ 12. Desde então, dá para traçar um declive quase perfeito. A ação estava em R$ 2,40 em agosto deste ano. Foi quando os short sellers ganharam mais uma janela para apostar em uma baixa adicional da companhia.
O IRB anunciou que precisaria captar R$ 1,2 bilhão para ter o mínimo de dinheiro em caixa exigido pela regulação para fazer frente a eventuais aumentos nos pagamentos de seguros. A previsão da Squadra estava certa de tal maneira que, dois anos depois, a companhia ainda não havia conseguido sanear suas contas. E para colocar o dinheiro em caixa, o IRB estava disposto a vender novas ações a apenas R$ 1 cada uma.
Bem, se a ação negociada na tela valia R$ 2,40, mas novos investidores apenas se dispunham a pagar R$ 1, algum preço estava errado. O mercado entendeu o óbvio: o preço-justo do IRB era 60% menor.
Houve uma enxurrada de operações de short. E isso dá para ver no aluguel de ações, a ferramenta inicial para fazer o short. Vamos entender como ele funciona agora.
Aluguel de ações
Se você tem uma casa na praia, talvez a deixe fechada o ano todo à espera daquele mês de férias no litoral. Mas também pode colocar o imóvel para alugar durante o período que está vazio e fazer uma grana extra. Quem compra ações para mantê-las na carteira por muito tempo pode fazer o mesmo: uma grana extra com um ativo que ficaria mofando – esse cara é chamado de “doador de ações”.
Dá para escolher, na maioria dos home brokers, quais papéis você quer alugar e teoricamente, por qual preço. Como alternativa, também é possível contratar um serviço de custódia remunerada nas corretoras. Com essa opção, elas se responsabilizam por procurar alguém interessado nos seus papéis e fazem tudo automaticamente. O dinheiro só cai na sua conta, sem esforço. Na média, a taxa de aluguel é trocado de pinga, coisa de 2% ao ano.
Esse match acontece com os short sellers. E havia pencas deles atrás de ações do IRB, tanta gente que foi tipo tentar achar uma casa em Caraíva para o Ano-Novo. Faltou ação no mercado de aluguéis, e a taxa bateu surreais 499% ao ano, segundo dados do TradeMap. Mas, dito e feito, a ação do IRB efetivamente caiu para a faixa de R$ 1.
Um dos motivos para a “falta de ações” é que a CVM prevê que cada investidor pode alugar no máximo 5% das ações em circulação (o free float) de uma companhia. E o percentual máximo do free float alugado é de 25% – limite que o IRB atingiu no começo de setembro. O mecanismo de trava existe para evitar excesso de volatilidade e distorções excessivas no mercado (e esse tipo de regra também existe desde sempre: em 1610, a bolsa de Amsterdã chegou a proibir o short selling de papéis da Companhia das Índias).
Voltando ao IRB. Depois que as ações chegaram ao preço-alvo de R$ 1, o mercado de aluguéis se ajustou – no final de outubro, estava em 1,12% ao ano.
O caso IRB, quase três anos depois do primeiro short da Squadra, é o mais bem acabado exemplo de uma das funções do short selling no mercado: estimular a investigação dos balanços das empresas. Isso evita distorções na bolsa, como ações sendo negociadas por muito mais do que deveriam valer.
Mas não é só de IRB que vive o mundo do short selling na bolsa brasileira, claro. De acordo com dados do TradeMap, as operações de aluguel de ativos subiram 70% em um ano, alcançando algo como R$ 100 bilhões. Por mês, a bolsa toda movimenta cerca de R$ 500 bilhões. Ou seja, os short sellers respondem por 20% do total de operações.
Nota: tanto o aluguel como a posição vendida podem ser eternos enquanto durem. Você pode passar anos com saldo negativo em alguma ação, contanto que pague o aluguel direitinho. E, se você for o “inquilino”, também pode encerrar o contrato de aluguel quando bem entender.
Esse é um mercado dominado pelos investidores institucionais, caso da Squadra. Os fundos têm mais de 50% de participação nas operações de short. Eles atuam dos dois lados. Doam suas ações para fazer uma renda extra, naqueles papéis que são posições de longo prazo, mas também agem como tomadores para a venda a descoberto de empresas que entendem como ruins ou sobrevalorizadas. Os investidores estrangeiros alugam 12% de suas ações, e shorteiam 36%.
Já pessoas físicas respondem por 26% das ações dadas em aluguel, mas realizam só 8% dos shorts. E recomendar que pessoa física faça short selling pega mal no mercado – dado o risco intenso de qualquer operação do tipo. Tanto que um relatório da Empiricus recomendando apostar contra as ações do TC (Traders Club) causou celeuma na Faria Lima.
Pessoal
A Empiricus, primeira casa de análise independente do país, recomendou a seus assinantes, em outubro do ano passado, o short em TC. O documento – assinado por Felipe Miranda, CEO da Empiricus, e outros dois analistas – apontava ainda que o dinheiro captado no IPO não seria suficiente para expandir o negócio na velocidade prometida a investidores na oferta de ações. E ainda relembrava polêmicas envolvendo os dois fundadores da empresa.
Um deles é Pedro Albuquerque, CEO da empresa. Ele foi gestor do fundo Cosmos até a listagem do TC na bolsa. Entre 2016 e 2019, o período em que o Traders Club surgiu como grupo de WhatsApp para troca de dicas de investimentos em ações, o fundo teve ganhos na casa dos milhares por cento. Por mais de uma vez, Pedro foi denunciado à CVM (Comissão de Valores Mobiliários), por suspeitas de manipulação de mercado. As investigações foram encerradas sem que encontrassem qualquer indício de fraude.
O outro fundador do TC é Rafael Ferri, que ficou conhecido no mercado por ter se envolvido no primeiro caso de insider trading julgado no país, a chamada “Bolha do Alicate”. Ferri não faz parte da administração do TC justamente num esforço de blindar a companhia das polêmicas.
A Empiricus fez questão de relembrá-las, e listando esses e outros pontos, recomendou que investidores shorteassem TC quando a ação estava a R$ 6. Miranda apostava em uma queda de 56%, o que levaria a ação para R$ 2,60. Um ano depois, a ação do TC havia caído para o preço-alvo da Empiricus.
O pessoal do TC não levou na boa. Eles argumentaram que as duas empresas, Empiricus e TC, são concorrentes – ambas vendem serviços de análise de investimentos a pessoas físicas. Portanto, o relatório não seria isento. E a discussão não parou por aí. A briga foi parar na Justiça depois que um vídeo apócrifo com acusações contra o TC viralizou – a companhia afirma que a Empiricus é autora do material.
Sem entrar no mérito da operação, o short do TC doeu no bolso dos fundadores. Pedro e Ferri têm, cada um, 26% da empresa. No IPO, ela valia R$ 711 milhões; hoje são R$ 194 milhões.
Acesso
Se você é um pequeno investidor querendo ganhar com a queda de uma empresa, descobrirá que esse é um mundo realmente hostil. As informações ligadas ao mundo short são mais escassas. Não existem relatórios gratuitos como aqueles que recomendam a compra de ações, por exemplo.
Se você quiser comprar uma ação, todos os sites financeiros oferecem dados sobre o desempenho recente da companhia de maneira organizada. O P/L, por exemplo, é uma dessas informações – ele divide o valor de mercado da empresa pelo lucro dos últimos 12 meses. O resultado mostra quantos anos o investimento levaria para dar retorno caso distribuísse 100% dos ganhos atuais na forma de dividendos – alguém que compra uma ação procura P/Ls baixos (tipo 10); quem opera vendido, P/Ls altos (tipo 100), porque indica que a ação pode estar cara. Mas, sozinho, ele diz pouco.
No short selling você precisa saber ainda quanto custa o aluguel e qual é o percentual de ações do free float da empresa que está alugado. Esses dados ajudam a avaliar quão pessimista o mercado está com a empresa. E esses são pouco acessíveis.
Se você estiver atrás dessas informações em busca de empresas para shortear, recomendamos, inclusive, o serviço gratuito do TC. Eles têm um ranking diário das ações mais alugadas em relação ao free float. Já o custo do aluguel, o jeito é checar no site da B3. Mas vá preparado, porque o sistema não é amigável.
Antes de sair caçando empresas, vale olhar para os resultados, em busca daquelas que estão relatando dificuldades.
Um dos casos recentes é o da Natura. Desde que a companhia tentou acelerar sua expansão internacional com a compra da Avon, os resultados começaram a definhar. A empresa passou a queimar caixa e os lucros minguaram. Até aí, pode ser parte de um processo.
Sabendo que o balanço do primeiro trimestre seria ruim, os executivos foram conversar, em abril, com analistas de ações que acompanham a companhia. A ideia era preparar os ânimos dos investidores. Só que, fazendo isso, eles acabaram de alguma maneira avisando a esses analistas que os dados viriam ruins – uma espécie de informação privilegiada (o que gerou questionamentos da CVM). Houve quem aproveitasse para shortear a ação, e quando a notícia vazou, o resto do mercado saiu fazendo o mesmo. Se a empresa precisava preparar os ânimos, estava óbvio que os números haviam sido catastróficos. O resultado foi uma queda de 40% nas ações.
E o pessimismo seguia. Em outubro, a companhia anunciou o plano de fazer o IPO da subsidiária australiana Aesop, para levantar caixa. É algo ainda no mundo das ideias, já que a janela de aberturas de capital está fechada no mundo todo, dado o ciclo de aumento de taxas de juros planeta afora. Não importa: com a notícia, os papéis subiram. E isso bastou para afastar os short sellers.
“Todo dia o management da companhia sai para trabalhar. O short é uma aposta de que os executivos vão fazer todo dia o trabalho um pouco pior”, diz Paolo Di Sora, fundador e CIO da gestora RPS Capital.
Alvos fáceis dos short sellers são as empresas em recuperação judicial. A ação da Oi (OIBR3) se esfarelou a meros 25 centavos no final de outubro. E o motivo foi o seguinte: segundo a B3, nenhuma empresa deveria passar mais de um mês com as ações valendo menos de R$ 1 – depois disso, é preciso reagrupá-las. O objetivo é reduzir a volatilidade: afinal, se a ação sai de 25 para 30 centavos, trata-se de uma valorização de 20%.
E a Oi avisou que pretende juntar 50 ações em um novo papel, o que na época do anúncio faria cada um ser negociado a R$ 16. O lance é que penny stocks são pouco atrativas para short sellers porque já não há muito mais para onde a ação possa cair. Ao reagrupar as ações, é como se o mercado financeiro encontrasse uma nova janela para forçar a baixa do papel.
Do ponto de vista prático, a Oi cumpriu todas as etapas de seu plano de recuperação judicial e estaria pronta a voltar a andar com as próprias pernas. Por outro lado, investidores estão céticos sobre a capacidade de geração de receitas da companhia. Mesmo sendo negociada a centavos, 11% do free float está em short – e o aluguel da ação ronda os 4,5%; acima da média.
Quando algo vai mal com o setor
Muitos gestores preferem escolher setores inteiros para shortear, e não apenas empresas. Assim, alguma boa notícia isolada sobre uma companhia tem efeito menor sobre sua aposta na queda dos papéis.
Um exemplo disso é o setor de varejo. Até o fim de 2020, Magazine Luiza era a grande estrela da bolsa. O papel chegou a acumular valorização de 950% em três anos. E foi puxando junto suas concorrentes Via (+150%) e Americanas (+490%).
O P/L da Magalu chegou a bater em 500, isso enquanto o P/L médio da bolsa era de 13. Tratava-se de um ímã para short sellers. Mas faltava um gatilho para que as ações realmente começassem a cair.
Quando a inflação começou a acelerar e forçou o Banco Central a subir a taxa de juros do país de 2% para 13,75% ao ano, o varejo foi o primeiro setor a sofrer – a alta de preços dinamita a compra de bens não essenciais; e os juros escorchantes limitam as vendas a prazo e ainda encarecem as dívidas que as próprias empresas têm.
O resultado é que investidores passaram a vender papéis do varejo e short sellers turbinaram o movimento apostando na queda do setor. Desde o pico, os papéis das três varejistas acumulam quedas de mais de 80%. A Via é a mais visada pelos vendedores: tinha 13% do seu free float shorteado no fim de outubro. A Americanas, 8,14%, e a Magazine Luiza tem 7,67%.
Na mesma toada, o setor que hoje é alvo mais ferrenho dos short sellers é o de construção civil. Das cinco empresas que tinham o maior percentual de free float alugado no fim de outubro, três eram do segmento. A MRV liderava (18,9%), seguida pela Cyrela na segunda colocação (16,3%) e Tenda no quinto lugar (14,8%). Na segunda e na terceira posição estavam M. Dias Branco, de alimentos, (15,7%) e a rede de clínicas Espaçolaser (15,6%), segundo relatório do TC.
As construtoras padecem de problema semelhante ao do varejo: dependência brutal de taxa de juros baixas. Não só isso. MRV e Tenda eram também grandes operadoras do programa Minha Casa, Minha Vida, nos anos PT. Sob o nome Casa Verde e Amarela, o incentivo à construção de moradias populares havia encolhido.
A eleição que deu a Lula o terceiro mandato presidencial pode, por outro lado, pegar os short sellers no contrapé. A aposta de uma parte do mercado financeiro é que o futuro presidente deve resgatar programas de seus primeiros mandatos, como foi o MCMV. E isso seria um impulsionador para as companhias. Ainda é cedo para saber, mas já é um fator que eleva o risco de quem está apostando na queda das ações.
Atirando no mensageiro
No fundo, o que faz uma ação cair não é simplesmente o fato de que alguém está apostando na queda do papel. Ok, isso pode ser verdade no curto prazo, mas ao longo dos anos o que manda de verdade são as perspectivas de lucro da companhia. Até porque o short selling tem custo.
Ainda assim, a ideia de que alguém está ganhando dinheiro com o que seria a desgraça alheia é pesada demais para alguns investidores – ainda que a culpa pela queda da ação seja, no fundo, da própria companhia.
É um pouco nessa frustração que surgiu o fenômeno GameStop. Quando 2020 e a pandemia chegaram, não faltaram traders amadores presos em casa, vidrados em fóruns do Reddit para combinar as ações que comprariam. Pela primeira vez, a bolsa havia virado um videogame. E o jogo era de vingança contra short sellers.
Foi no fórum WallStreet Bet do Reddit que investidores anônimos começaram a bombar a GameStop. A ação da empresa estava na lona, negociada a coisa de US$ 4 no fim de 2020. A empresa, afinal, vendia jogos de videogame em lojas físicas, e esse comércio é hoje majoritariamente online. No fórum, porém, argumentavam que o motivo para a ação estar estagnada era o excesso de gente apostando contra o papel.
No caso da GameStop, havia um rosto: o fundo Melvin Capital tinha apostas pesadas sobre a companhia. Aqui vale uma nota. Diferentemente do Brasil, nos EUA não existe uma regra que limite o percentual de ações em aluguel. Lá, dá para shortear mais de 100% do free float da empresa – depois que a ação é alugada e vendida, o novo dono pode colocá-la para aluguel de novo, recomeçando o ciclo.
Então, esses investidores começaram a comprar ações sem parar, criando uma onda de valorização. A ideia era fazer um squeeze contra o Melvin Capital e quem mais apostasse contra a GameStop. “Squeeze” significa amassar. Ou seja, apertar o caixa de um short seller até ele ser obrigado a recomprar a ação para estancar os prejuízos.
O gestor da Melvin, Gabe Plotikin, havia começado a shortear a GameStop em 2014, quando o papel valia coisa de US$ 10. Com a ação a US$ 4, ele estava levando US$ 6 de lucro por ação. No fim de janeiro de 2021, o papel bateu US$ 86.
Significa que, para encerrar a posição e estancar o prejuízo a essa altura, ele precisaria tirar do bolso US$ 76 por papel. O Melvin precisou de resgate financeiro para não quebrar ali mesmo. Conforme ele e outros short sellers iam estancando os riscos, turbinavam involuntariamente a valorização do papel, já que estavam comprando as ações a preços cada vez mais altos para encerrar suas posições.
Naquele mês de janeiro, só o Melvin Capital perdeu US$ 4,5 bilhões. Estima-se que o mercado como um todo tenha acabado com um rombo de US$ 19 bilhões por conta das apostas na queda da ação. Os WallStreet Bets tinham vencido a batalha.
Depois do squeeze, já não havia mais ninguém que fosse capaz de continuar alimentando a espiral. Aí a ação caiu de volta a US$ 10. No fim de outubro, elas eram negociadas ao redor de US$ 30 e 17,69% das ações da empresa estavam shorteadas. Só que os resultados da companhia continuam sofríveis. A receita segue encolhendo e os resultados mais recentes, do trimestre encerrado em julho, mostram um prejuízo de US$ 108,7 milhões.
Quem colocou lenha nessa fogueira foi o onipresente Elon Musk. O bilionário tem birra pessoal contra as operações de short selling. Lá pelas bandas de 2016, quando a Tesla ainda não era ninguém, a montadora de carros elétricos ganhou a fama de ação mais shorteada dos EUA. E Musk acusava o mercado financeiro de tentar quebrar a empresa. Hoje, o custo de aluguel de ação da Tesla já é menor que o da Apple, e o mercado financeiro chegou a descrever a alta das ações da montadora como um longo squeeze.
O que pressionou aqueles que jogavam contra a empresa de Musk? Os resultados: só no terceiro trimestre, o lucro da companhia mais que dobrou, e a receita com a venda de veículos subiu mais de 50%. No fundo, é isso que importa. Investidores estão sempre em busca do copo meio cheio. Nada mais terrível contra short sellers, afinal, do que balanços saudáveis.