Saiba como trabalhar seus preconceitos inconscientes

Todas as pessoas têm preconceitos positivos e negativos — eles são um mecanismo de proteção do ser humano. Mas isso pode atrapalhar os processos de contratação.

Por Mariana Amaro, de San Francisco
Atualizado em 15 out 2024, 19h25 - Publicado em 4 jan 2016, 11h10

Vocês são todos preconceituosos”, disse a consultora Rosalyn O’Neale para uma plateia composta por diretores e vice-presidentes de recursos humanos que acompanhava o evento de Gerência de Capital Humano, parte do OpenWorld, promovido pela empresa de tecnologia Oracle, em San Francisco, nos Estados Unidos. “E isso não é necessariamente algo ruim”, completou, para espanto geral dos espectadores. Rosalyn é estrategista de inclusão e diversidade e foi diretora na companhia Campbell Soul — aquela que Andy Warhol transformou em símbolo da pop art. Com mais de 30 anos de experiência, ela prestou serviço para empresas em 25 países, muitas delas nas listas internacionais de maiores do mundo. Seu trabalho consiste em desenvolver estratégias de inclusão, identificar talentos e preparar a liderança nas corporações. Autora do livro 7 Keys 2 Success: Unlocking the Passion for Diversity (ainda sem tradução em português), da Editora Aeon Publishing Inc, Rosalyn falou a VOCÊ RH e explicou por que preconceitos nem sempre são um problema.

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Você afirma que preconceitos não são necessariamente ruins, o que vai contra tudo que aprendemos ao longo da vida. Por que diz isso?

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O preconceito é um mecanismo de defesa dos seres humanos, e isso nos manteve vivos até hoje. Crescemos ouvindo de nossos pais: “Não fale com estranhos”. Esse discurso serve para nos proteger quando somos crianças. Desde pequenos, aprendemos a confiar em quem se parece conosco, que nos passa segurança. Isso cresce junto com as pessoas. E assim desenvolvemos os preconceitos. Se você vem de uma família que preza pela saúde e são todos magros e altos, é bem possível que, ao se encontrar com uma pessoa gorda, você imediatamente entenda que ela é desleixada e doente, mesmo sem ela falar nada. O problema está em você não ter consciência de que acha essa pessoa desleixada pelo simples fato de ela ser obesa. Todo mundo tem preconceitos. Isso não é ruim. O ruim é não ter consciência deles.

Como ter consciência então?

O primeiro passo, como em qualquer trabalho de autoconhecimento, é ser sincero com você e reconhecer seus preconceitos — os negativos e, principalmente, os positivos. Por exemplo, quando você analisa um currículo e vê que o candidato fez a mesma faculdade que você, esse candidato passa, automaticamente, a ser visto como melhor que os outros? Isso é um preconceito inconsciente positivo. Você lê outro currículo e nota que a pessoa tem o mesmo nome que sua mãe ou irmã e já passa a sentir mais simpatia por ela? É outro preconceito positivo. A realidade é que formamos nossa opinião sobre as pessoas antes mesmo de elas abrirem a boca. 

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Mas isso pode ser devastador em um processo de recrutamento, não? 

Sim, e justamente por isso eu falo tanto que é imprescindível que as pessoas saibam quais são seus preconceitos, porque só assim elas conseguem passar por cima deles. Na próxima vez que você vir um candidato da sua faculdade, vai pensar bem se isso realmente significa que ele é melhor que o de outra instituição, sem tanto prestígio. Vai considerar que talvez essa outra pessoa precisasse trabalhar e sustentar a família e, por isso, não podia pagar uma mensalidade alta. Assim como um recrutador precisa pensar que, às vezes, um profissional que chega atrasado para uma entrevista de emprego não é necessariamente desorganizado, só porque você tem um amigo que é desorganizado e sempre chega atrasado aos compromissos.  

Qual o impacto desses preconceitos no mercado de trabalho? 

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Você pode ignorar o melhor candidato sem perceber. Quando um profissional de RH está em um processo desses, ele projeta suas visões e valores nos currículos das pessoas. Conversando com gestores, descobri que, se o currículo é enviado em um papel colorido, ele automaticamente é descartado. Durante um processo é comum pensar: “Ele me lembra de tal pessoa”. Se a memória é de uma pessoa que você gosta, o candidato ganha com isso. Se o candidato se parece com alguém da sua família, você se sente relaxado durante a entrevista. É possível que falem de hobbies, família, filhos — e você saia do processo pensando: “Gostei dessa pessoa”. Se, por outro lado, o candidato não se parecer com ninguém, ou for uma pessoa de outra etnia, com uma cor de pele diferente, ou precisar de uma cadeira de rodas para se locomover, a tendência é que você, no papel de recrutador, se sinta mais tenso e faça as perguntas de forma mais dura e inflexível — e saia da sala de reunião pensando: “Eu não tenho certeza”.

Todos têm algum tipo de preconceito, mesmo em companhias com fortes programas de diversidade?

Absolutamente, sim. Vou dar um exemplo. Estava fazendo um workshop em uma companhia de tecnologia, moderna, jovem, na qual as pessoas se vestiam de maneira casual e diziam que não tinham preconceitos com a comunidade LGBT. Havia um profissional recém-contratado na sala e alguém disse: “Dá para saber que ele é novo porque ainda está usando gravata”. Todos riram. A mensagem que ficou é que se aquele novato não desistir da gravata ele nunca será incluído no grupo. Os seres humanos são tribais. Procuramos outros membros da nossa tribo: quem se encaixa melhor, quem tem o perfil da companhia, quem vai se adaptar à nossa cultura.

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A busca inconsciente por semelhantes não gera um ambiente corporativo homogêneo? 

Sim, essa é a dificuldade. E acontece mesmo em companhias de tecnologia, que têm o discurso da diversidade na ponta da língua. Usar a palavra “encaixar” já é um termo que indica possível preconceito. Todas as empresas têm culturas e limites. Por exemplo, uma companhia valoriza o trabalho em equipe e a colaboração. O preconceito aparece quando você decide que tal pessoa não trabalha em equipe, nem colabora, porque usa uma gravata. O que as organizações ainda não perceberam é que a pessoa que usa a gravata, quando ninguém mais usa, que parece não se encaixar, é quem irá trazer a inovação — porque é ela quem está fazendo algo diferente. 

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O que costuma acontecer com quem é diferente nas companhias? 

Na maioria dos casos, ou a pessoa muda seu jeito de ser, ou ela vai embora. Há muitas empresas falando que estão aumentando a contratação de mulheres, e 40% de todos os novos funcionários são mulheres, mas o percentual de diretoras não muda, porque a área de recursos humanos costuma analisar cada demissão como se fosse fato isolado. “Fulana saiu porque arrumou uma oferta melhor; beltrana, porque queria ficar com a família; sicrana, porque queria voltar a estudar.” Se elas estivessem felizes e se sentindo valorizadas, elas não teriam deixado a companhia. O preconceito inconsciente aparece quando um chefe tem uma vaga que exige viagens e dois funcionários, um homem e uma mulher, que acabaram de ter um filho. O chefe nem considera a mulher para a oportunidade porque acha que ela não vai querer deixar o filho em casa. E, muitas vezes, tudo que uma mãe que acabou de ter um filho quer é passar uma noite sozinha num quatro de hotel e conseguir dormir a noite inteira. Mas essas profissionais não são nem consideradas para o trabalho. É isso que estou tentando mudar.

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