CEO da Via Varejo conta como foi reerguer empresa no meio da pandemia

Roberto Fulcherberguer, CEO da Via Varejo, estava há menos de um ano no cargo quando precisou enfrentar a crise do coronavírus.

Por Juliana Américo
Atualizado em 12 jan 2021, 10h45 - Publicado em 2 nov 2020, 10h00
 (Celso Doni/Você S/A)
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Via Varejo está sob nova direção desde julho do ano passado. Com mais de 30 anos atuando no setor de varejo, Roberto Fulcherberguer, de 49 anos, foi designado para assumir a cadeira de CEO e liderar uma grande transformação na empresa. A missão não era fácil: a companhia – que conta com 41 mil funcionários e é responsável pelas varejistas Casas Bahia, Ponto Frio, Extra.com e Bartira, além das empresas BanQi e ASAP Log – tinha ficado para trás na corrida do e-commerce, registrando um prejuízo de R$ 162 milhões no segundo trimestre de 2019.

Depois de mudanças na diretoria, investimentos em tecnologia, melhorias nas lojas e revisão nos contratos com fornecedores, a empresa está voltando aos seus tempos de glória. Mesmo com a crise do coronavírus, que obrigou o fechamento temporário de suas 1.070 lojas, a Via Varejo encerrou o segundo trimestre de 2020 com lucro de R$ 65 milhões. Antes da pandemia, o seu faturamento on-line era de 30%. Agora representa 70%. Aqui, Roberto fala sobre as mudanças que implementou na companhia e sobre como a tecnologia torna mais humano o envolvimento entre uma empresa e seus clientes.

Como foi a sua trajetória profissional até assumir a liderança da Via Varejo?

Em 1987, fui atuar no setor comercial da Lojas Arapuã. Logo no início, entrei para o programa de trainee e tive a oportunidade de passar por todas as áreas da empresa. Isso me deu uma bagagem muito grande, porque pude conhecer o varejo em todas as frentes de atuação. Depois de dez anos de Arapuã, fui para o Grupo Pão de Açúcar (GPA), onde fiquei por seis anos. Em 2003, fui para a Casas Bahia, quando ela ainda era uma empresa de sociedade limitada – e a minha função era exatamente profissionalizar a companhia. Em 2009, houve a fusão com o GPA e, na época, comuniquei a família Klein [fundadora da Casas Bahia] que eu ajudaria nesse processo de mudança e depois sairia da empresa. O varejo demanda muito das pessoas, você trabalha muitas horas por dia, inclusive aos finais de semana. Eu já estava nessa rotina havia bastante tempo e precisava sair um pouco. Então, dois anos depois da fusão, virei conselheiro da Via Varejo e pude me dedicar aos negócios que tenho em paralelo na área de empreendimentos imobiliários. No ano passado, quando a Casino [a varejista francesa que assumiu o comando do GPA em 2012] decidiu vender a parte dela no negócio, o Michel Klein me pediu para ajudar nesse processo de diluição da companhia. Foi quando assumi o cargo de CEO.

Qual foi o seu maior desafio quando virou CEO?

A Via Varejo estava sofrendo muito nos últimos anos e perdendo espaço no mercado. Precisávamos correr atrás do prejuízo e virar uma companhia que se adaptasse rápido. A primeira decisão foi montar um novo time para a diretoria executiva. Eu trouxe gente com profundo conhecimento nas suas áreas de negócio, mas com muita diversidade de cultura. Por exemplo, tem um executivo que é puro-sangue de online e trabalhou com isso a vida inteira; assim como outro é puro-sangue de varejo físico. O mais importante é que procurei por pessoas que tivessem o que eu chamo de “taxa de ego zero”. Para transformar uma companhia, não dá para ter ego. A prioridade são os negócios, os colaboradores e os consumidores; a última prioridade são os interesses individuais. Outra coisa que precisava era de agilidade. Então todos os diretores ficam na mesma sala, interagindo rápido para tomar as decisões. Isso me permite trafegar por todos os níveis da companhia.

Como é liderar uma empresa de varejo no meio de uma crise como a do coronavírus?

Com mais de 30 anos de carreira, já sou bem calejado e passei por muitas crises. Mas a da Covid-19 é diferente. Os líderes que passam por ela vão ter muitos aprendizados. Para a Via Varejo, especificamente, esse período está sendo um pouco mais fácil. Quando assumi, em julho do ano passado, a companhia tinha problemas em todas as áreas. Então, fizemos grandes mudanças no terceiro trimestre; conseguimos faturar R$ 1 bilhão na Black Friday; e, no primeiro trimestre de 2020, estávamos acelerando as transformações digitais. Quando o coronavírus chegou, pegou a empresa no meio da sua capacidade máxima de adaptação, e a equipe estava preparada para agir rápido. Óbvio que teve momentos difíceis. Logo no começo, a gente fechou 100% das lojas para preservar a saúde dos funcionários e clientes; sendo que, na época, as lojas físicas representavam 70% do nosso faturamento. Mas aí vem a vantagem de você ter uma equipe preparada: em quatro dias, criamos a ferramenta de venda assistida “Me chama no zap”. Ela conecta os nossos 20 mil vendedores a clientes pelo WhatsApp e permite que eles continuem trabalhando mesmo com as lojas fechadas; isso ajudou muito nas vendas – hoje, essa ferramenta responde por 20% das vendas online.

Nos últimos seis meses, as ações da empresa acumulam alta de mais de 160%. Como você enxerga esse crescimento em um momento tão turbulento?

O que está acontecendo com as nossas ações é fruto daquilo que estamos plantando dentro da Via Varejo. Trimestre a trimestre, estamos mostrando resultados reais e um planejamento bem pé no chão. Eu, particularmente, sou bastante realista e não tenho dúvida dos potenciais dessa companhia. O mercado achava que a Via Varejo ia demorar, pelo menos, uns dez anos para evoluir em tecnologia. E está acontecendo exatamente o contrário: estamos fazendo a maior e mais rápida transformação digital dentro de uma grande companhia aqui no Brasil.

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Como está sendo esse processo de digitalização? O que está sendo feito e quais são os planos para os próximos meses?

Primeiro, nós trocamos todos os front-ends [parte visual de um site na qual o cliente pode interagir] do digital e atualizamos o aplicativo – saímos de 2 milhões de usuários ativos em setembro de 2019 para mais de 15 milhões no segundo trimestre. Agora, estamos colocando um celular na mão de todos os vendedores para que eles possam transacionar toda a venda, inclusive a parte de pagamento, por meio do dispositivo. Além disso, com esse aparelho eles também podem utilizar a ferramenta “Me chama no zap” e realizar tanto vendas físicas quanto vendas online. Para o futuro, estamos olhando bastante para o marketplace, que vai aumentar a oferta de produtos dentro do site. Outro objetivo é evoluir a parte de logística. Hoje, ela atende a nossa venda direta, mas também vai atender o marketplace. Em torno de 330 das lojas funcionam como uma minicentral de logística que nos permite trabalhar o estoque de uma maneira mais inteligente. Esse número vai aumentar. Em paralelo, tem também o nosso lado financeiro. Em maio, a gente adquiriu o banco digital BanQi, o que garante a oferta de um crediário digital para o cliente. Então, temos algumas possibilidades de crescimento pelo caminho.

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(Celso Doni/Você S/A)

Como está sendo a reabertura de lojas?

A maioria (98%) das lojas já está reaberta, com todos os protocolos de segurança; e tem dado certo. Apesar disso, existia uma dúvida do que iria acontecer com o e-commerce depois que as lojas voltassem a funcionar. Será que após tanto esforço com a transformação digital, o online voltaria a ser o que era antes da pandemia? E a boa notícia foi que as vendas no digital continuaram superbem e as lojas físicas fortaleceram a funcionalidade do “retirar na loja”, que é quando a pessoa compra pela internet e vai buscar o produto.

A Via Varejo, por meio da Fundação Casas Bahia, doou R$ 5,3 milhões para o combate à crise (sendo R$ 1 milhão para mulheres empreendedoras). Como estão as ações nessa área social?

A companhia sempre esteve presente nas comunidades e intensificamos as atividades, mesmo porque a pandemia trouxe, em um primeiro momento, a demanda por itens de necessidade básica. Também surgiu a oportunidade de fazer uma ação com a dupla Sandy & Junior. Eles já tinham encerrado a turnê de shows, e propusemos fazer uma live com objetivo de arrecadar alimentos, sendo que a gente ia dobrar tudo que fosse arrecadado. Com essa ação, conseguimos doar mais de 700 toneladas de alimentos. Mas essa é uma ajuda de curto prazo. Pensando no longo, temos projetos de auxílio financeiro para micro e pequenos empreendedores. Acredito que essa é a nossa obrigação. A iniciativa privada tem o seu papel dentro da sociedade e a pandemia deixou isso ainda mais claro.

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O que você acha que ainda pode avançar no setor de varejo?

A tecnologia hoje é uma grande viabilizadora, e ajuda a deixar o relacionamento com os clientes mais assertivo. Há 20 anos, trabalhar com varejo significava sair no calçadão e tentar colocar o cliente dentro da loja. Hoje essa relação está muito mais humanizada. Por exemplo: agora, quando um cliente antigo entra na loja, ele é identificado pelas nossas antenas de Wi-Fi e já aparece, para o último vendedor que atendeu aquela pessoa, o histórico de compras e de buscas nos nossos canais. Você já proporciona um atendimento personalizado. Dá para saber se está tudo certo com os produtos que foram vendidos e garantir ofertas exclusivas de preço ou de taxas de juros. Por muito tempo, acreditou-se que a tecnologia deixaria as relações mais frias, mas eu penso o contrário: ela pode viabilizar uma relação muito mais próxima com o consumidor.

Nesse quase um ano e meio como CEO, que aprendizados você teve?

A capacidade de adaptação que tivemos durante a pandemia foi uma lição de vida. A cadeira de CEO, muitas vezes, é solitária. Quando acontecem problemas iguais ao que a gente viu na pandemia, é normal todo mundo olhar para o CEO e falar “e agora?”, como se fosse um ser supremo que tem solução para tudo. Mas, no final do dia, eu também sou um ser humano que chega em casa, abraça a família e chora. Aqui na Via Varejo me senti apoiado o tempo inteiro por todo o time de funcionários. Eu liderei esse processo de virada que a companhia deu agora na crise, mas foi com ajuda de todo mundo que cerca a empresa. Acho que o maior mérito aqui foi ter deixado claro para todos o propósito da companhia. Quando chegou a crise, já estava todo mundo muito engajado.

Que dica você daria para quem está começando na carreira?

Cada um tem um perfil, né? Eu tenho um perfil generalista e acredito muito que, cada vez mais, o mundo vai precisar de bons generalistas. Você pode até se especializar em algo, mas isso limita o seu campo de ação. O mundo está mudando muito rápido. Então a capacidade de adaptação e de olhar as coisas de maneira mais generalista pode ser uma vantagem na carreira. Outra dica é o foco. Você precisa ter a vontade de querer crescer, evoluir e abraçar uma causa.

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