Como melhorar a sua inteligência emocional
A grande maioria dos profissionais bem sucedidos sabe controlar as próprias emoções. Na outra ponta, o desempenho é o oposto. Entenda de uma vez o que é inteligência emocional, e veja como desenvolvê-la na sua vida.
William Foster vive em Los Angeles. Depois de perder o emprego e o casamento, tem um surto no dia do aniversário da filha. Abandona o carro no meio do trânsito, destrói uma mercearia porque não consegue troco e sai atirando em uma lanchonete por causa do atendimento ruim. Reconhece essa sequência de eventos? Sim: é de Um Dia de Fúria, aquele filme com o Michael Douglas. A obra de 1993 tornou-se um clássico instantâneo justamente por refletir (de forma exagerada, claro) o que todo mundo gostaria de fazer quando se sente contrariado: dar vazão ao instinto de “não levar desaforo para casa”. À arte de lidar com esses instintos de forma civilizada dá-se o nome “inteligência emocional”.
Trata-se da capacidade de reconhecer e controlar emoções profundas antes de sair agindo por impulso. Fazer isso ajuda a reduzir a ansiedade, a ter relacionamentos mais saudáveis, a tomar decisões melhores, a receber e dar feedbacks mais eficientes. Uma longa lista de vantagens.
Os estudos sobre a habilidade de gerenciar os sentimentos se aprofundaram nos anos 1990, com as pesquisas dos psicólogos Peter Salovey e John D. Mayer. E o termo ficou popular após o livro Inteligência Emocional, publicado em 1995 por Daniel Goleman, psicólogo de Harvard.
Goleman lista cinco pilares essenciais para determinar se uma pessoa é inteligente emocionalmente ou não. Os dois primeiros envolvem autoconhecimento: 1) saber como você reage em situações de estresse e identificar padrões de comportamento; e 2) controlar essas emoções.
Por exemplo: você tem medo de falar em público, mas não dá para fugir de apresentações para o resto da vida. Em algum momento vai ter de falar diante de um grupo. Então, como você já identificou a situação que te deixa com medo, dá para desenvolver técnicas para fazer com que esse sentimento não te domine, como montar um roteiro com começo, meio e fim; e ensaiar.
O terceiro pilar é a automotivação. A cada dia da vida, passamos por vários altos e baixos. Um resultado positivo no trabalho pode ser imediatamente seguido por um momento de frustração. A capacidade de manter-se motivado diante de dificuldades é o que o difere as pessoas que têm boa inteligência emocional das que não têm.
Os dois últimos envolvem a capacidade de socialização. Um é a empatia. Pessoas inteligentes emocionalmente são as mais capazes de se colocar no lugar do outro. E isso já forma a essência do quinto pilar: o de relacionamentos interpessoais. Quando você entende as motivações de alguém, o porquê de o outro ter tomado tal decisão, fica mais fácil conviver em harmonia – e, numa discussão, negociar para chegar a algo mais próximo de um consenso.
Mas existem outros atributos ligados à inteligência emocional, claro. “Um deles é o foco, que está ligado ao pilar da motivação para finalizar determinadas tarefas. Tem também a assertividade: sentir-se seguro o bastante para assumir um posicionamento”, diz a psicóloga Denize Dutra, coach e CEO da Denize Dutra Gestão e Desenvolvimento.
No currículo
Uma ideia equivocada persistiu por muito tempo: a de que emoções e ambiente de trabalho não combinavam. Profissionais deveriam deixar os sentimentos de lado assim que batessem o ponto. Hoje, ainda bem, entende-se que isso não faz sentido. “As emoções são reflexos. É igual quando você vai ao médico e ele bate um martelinho no seu joelho. Sua perna vai levantar, não tem como controlar. Com as emoções é a mesma coisa: não há como evitar que elas aconteçam”, diz Ana Paula Tognotti, psicóloga da Zenklub.
E o ambiente de trabalho é cheio de situações que deixam as emoções à flor da pele, claro. Caso das temidas reuniões de feedback. Durante uma avaliação negativa, é bem provável que uma pessoa com baixa inteligência emocional simplesmente fique com raiva e passe a discutir – sem levar em conta que feedbacks servem justamente para repensarmos certos pontos, corrigir atitudes que a chefia interpreta como falhas antes que seja tarde. Aí não tem jeito: a reação ruim ao feedback vai colocar outro problema na sua conta.
Tem outra. Trabalho é igual família: você não escolhe as pessoas com quem vai conviver. Parentes tendem a relevar momentos de descontrole. Colegas não. Logo, não há trabalho em equipe bem feito sem boas doses de equilíbrio emocional.
E isso impacta na produtividade, obviamente. Estudos da consultoria TalentSmart concluíram que 90% dos trabalhadores com melhor desempenho possuem boa inteligência emocional. Na outra ponta, a estatística praticamente se inverte: 80% mostram pouca habilidade em dominar as próprias emoções.
Pelo que a gente viu até aqui, o assunto parece simples. Mas não é. A começar pelo fato de que é difícil identificar exatamente o que você está sentindo. “Uma criança pequena muito apegada aos avós, que está sem vê-los há duas semanas, vai ter algumas sensações, como tristeza, desânimo, apatia. Ela não sabe o que esse conjunto de sensações significa. Alguém que está próximo a ela precisa falar que tudo isso se chama ‘saudades’. Esse vocabulário emocional também precisa ser expandido ao longo da vida [adulta]. E isso também é treino”, diz Ana Paula, da Zenklub.
Entender que você sentiu inveja; e não algo mais genérico, como “raiva”; é importante. Mas não menos do que isso é compreender que, putz, a Terra não gira em torno de você. Todos nós, todos mesmo, temos um lado egocêntrico. Tendemos a achar que a fonte dos nossos problemas está nos outros. No mundo real, porém, não é assim que funciona. “É preciso passar por um processo de autorresponsabilização. Quem não é emocionalmente inteligente costuma colocar a culpa dos seus comportamentos nos outros, na família, no chefe”, afirma Tatiana Pimenta, CEO da Vittude. Em suma: boa parte dos problemas que você vive é fruto do seu comportamento. Em vez de vitimizar-se no modo automático, tente entender quando a culpa por um entrevero foi sua, e peça desculpas quando perceber.
Hora do treino
Sabemos desde o jardim de infância que há quem lide melhor e quem lide pior com os próprios sentimentos. Inteligência emocional é uma habilidade como qualquer outra – você pode nascer com ela, ou sem ela. A boa notícia é que, justamente por ser uma habilidade como qualquer outra, há como melhorá-la. Uma pesquisa americana 1, inclusive, mostra que profissionais que recebem treinamentos em soft skills, como técnicas para entender melhor os problemas dos colegas, tornam-se 12% mais produtivos do que aqueles que não recebem.
Terapia pura e simples já ajuda. As sessões, afinal, aprimoram o autoconhecimento, sem o qual não há inteligência emocional. Mas também existem atividades mais práticas, focadas no trabalho. Uma delas é a de observação: todos os dias, assim que encerrar o expediente, separe dez minutos para relembrar como foi a sua rotina e listar os sentimentos que teve (principalmente os negativos). Ficou estressado durante uma reunião porque foi contrariado? Ficou acuado por tentar expor uma opinião diferente? Anote todas as emoções e quais foram as circunstâncias que levaram a elas.
Essa tarefa trabalha o conceito da previsibilidade. A ideia é que você saiba em qual situação determinado sentimento pode se manifestar no futuro, e se prepare com antecedência. Assim fica mais fácil de controlar qual vai ser a sua reação. E evite definições simples como “lidei bem” ou “lidei mal”. Aproveite o momento para melhorar sua percepção sobre como você realmente se sentiu. Amplie seu vocabulário emocional – ajuda a fatiar os problemas.
Você pode perceber que reagiu de forma intempestiva só porque estava de mau humor. Então busque atalhos para evitar esses momentos. Um gatilho certo para ficar de cabeça quente é acumular tarefas chatas para depois. Pode ser lavar a louça, para quem está em home office, ou ter que limpar a caixa de e-mail. A dica é tirar esse tipo de coisa da frente logo no começo do dia, para não ter mais de lidar com a ansiedade de pensar nelas.
Claro que, se você for uma pessoa esquentada, vai acabar sendo impulsivo mais hora menos hora. Aí o jeito é segurar a bronca mesmo. Tente reagir menos quando algo estiver incomodando, assim você evita tirar conclusões precipitadas. Veja, não é fingir que não está sentindo nada e nem deixar passar situações abusivas. O objetivo é reduzir a transparência emocional, que é quando “está na cara” o que você está pensando, e dar tempo para que você reflita antes de tomar uma decisão. Em suma: é o velho “conte até dez”. Em boa parte das vezes, lá pelo oito já dá para ver que o caso que engatilhou o estresse talvez não tenha sido tão estressante assim.
Também crie o hábito de buscar feedback. Na maioria das vezes, não enxergamos as nossas atitudes da mesma maneira que os outros enxergam. É importante, então, entender como você é visto pelas outras pessoas. O feedback não deve ser encarado apenas como crítica, mas como uma ferramenta para descobrir os seus pontos fortes, aqueles que precisam ser melhorados, e aumentar o seu grau de consciência a respeito de si próprio. Vale pedir a amigos e familiares que avaliem a sua reação em momentos de estresse, e perguntar o que eles fariam de diferente. São pessoas da sua confiança, afinal. Você provavelmente ouvirá o diagnóstico delas com mais atenção do que o feedback de um chefe. E o processo pode ajudar você a receber feedbacks melhores do chefe lá na frente.
Por fim, para melhorar a empatia e a relação com outras pessoas, a dica é ser curioso sobre quem convive com você. Importar-se. Caso perceba que alguém está mais quieto ou mais agitado que o normal, pergunte se ele está com algum problema, se você tem como ajudar. Aproveite para treinar a escuta ativa: preste atenção de verdade no que a pessoa está dizendo antes de sair expondo a sua opinião.
O processo de aprimorar a inteligência emocional não é simples. Para boa parte das pessoas, envolve mudar (maus) hábitos arraigados. Mas vai na fé. Só o ato de tentar vai deixar claro para você que pouquíssimos dias da sua vida merecem mesmo ser um dia de fúria.